(*)Melillo Dinis do Nascimento
Enquanto o mundo celebrava as festas de fim de ano, entre o Natal e o Ano Novo, foi sancionada a Lei nº 14.785/2023: a lei dos agrotóxicos. O chefe do Poder Executivo vetou vários dispositivos da proposta original aprovada no Congresso Nacional. Lula conseguiu desagradar a todos os lados: ambientalistas e ruralistas.
O setor agroexportador brasileiro ganhou muito mercado nas últimas décadas. Ao lado de um crescimento desordenado e muitas tecnologias que mudaram a produção e o tamanho de sua importância na economia brasileira, o uso indiscriminado de agrotóxicos foi uma das características dessa silenciosa distribuição de veneno em forma de substâncias, resíduos químicos e doenças decorrentes de sua adoção como modelo e horizonte.
As principais commodities produzidas no Brasil – soja, milho e algodão, são juntas, o destino de 80% dos agrotóxicos comercializados no país, como alerta a pesquisa no livro Agrotóxicos e Colonialismo Químico, lançado pela editora Elefante, com apoio da WWF e da Fundação Heinrich Böll. A obra compila dados alarmantes que nos permitem começar a compreender a gravidade do problema representado pelo uso massivo de substâncias químicas para a saúde humana e para o meio ambiente. Nele, Larissa Mies Bombardi, pesquisadora e professora do Departamento de Geografia da USP e IRD (Institut de Recherche pour le Développement – França), relaciona a problemática como consequência direta da globalização da agricultura, da concentração fundiária e da forte atuação do agronegócio no Brasil.
Os agrotóxicos são produzidos, em sua maioria, por algumas empresas em poucos países: Syngenta (China), Bayer e Basf (Alemanha), UPL (Índia) e as estadunidenses Corteva e FMC, que detêm cerca de 80% do valor total da comercialização de agrotóxicos no planeta e venderam em 2020, juntas, mais de 43 bilhões de dólares desses produtos. Os países latino-americanos, especialmente o Brasil e a Argentina, têm sido receptores de um grande volume de agrotóxicos produzidos e comercializados por empresas do norte global. Embora, os Estados Unidos e a China sejam relevantes destinatários dessas substâncias, em 2021, consumiram, respectivamente, cerca de 257 mil e 244 mil toneladas, enquanto o Brasil e a Argentina se destacam mais, tendo consumido 719 mil e 457 mil toneladas de pesticidas no mesmo período. Muitos agrotóxicos que são produzidos nos países que são os principais atores deste mercado, são proibidos por lá. Aqui, muito raramente. No Brasil, os campeões em vendas – mancozebe, atrazina, acefato, clorotalonil e clorpirifós – são proibidos na Europa. O glifosato, agrotóxico mais vendido no país, considerado possivelmente cancerígeno para seres humanos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é outro que está bombando. No Brasil, o resíduo autorizado desse herbicida na água potável é cinco mil vezes maior do que na União Europeia.
A lei que será o centro do novo debate entre Executivo e Legislativo apenas atualiza esse envenenamento em grandes parcelas que estamos submetidos diariamente pelo consumo de produtos que estão dentro desta cadeia de produção. O mundo do agronegócio celebra a sua edição, ainda que aposte na derrocada dos vetos de Lula. Chamam-na de “novo marco regulatório dos defensivos agrícolas”. É veneno.
A diferença, diz a sabedoria popular, entre remédio e veneno é a dose. Parece que a frase se deve a Paracelso, ainda no século XVI, médico suíço-alemão. No caso da prática brasileira, as doses são absurdas. E o uso dos agrotóxicos não tem qualquer controle, nem por parte dos órgãos responsáveis, nem por parte dos produtores. Logo, é veneno mesmo, ainda que sob a forma de “defensivos agrícolas”, um eufemismo que não prospera.
Lula vetou muitos abusos, para manter o atual sistema tripartite de registro e controle de agrotóxicos, que congrega as pastas da Agricultura, do Meio Ambiente, por meio do Ibama, e da Saúde, representado pela Anvisa. Vetou ainda a criação de uma taxa para abastecer o Fundo Federal Agropecuário (FFAP), a permissão para o governo conceder registro de produto cujo ingrediente esteja com reanálise pendente de conclusão, e retirou o trecho que dispensava fabricantes de imprimir ou gravar aviso de modo indelével (que não se apaga) sobre o não reaproveitamento de embalagem de agrotóxicos, produtos de controle ambiental e afins. Foi muito pouco e ainda vigora a pouca institucionalidade do controle, sem contar os parcos recursos de fiscalização.
Os parlamentares vão analisar os vetos. Para derrubar, precisam da maioria absoluta dos votos, ou seja, pelo menos 257 votos de deputados e 41 de senadores. Caso não alcance essa votação, os vetos serão mantidos. Do jeito que caminha o Congresso Nacional, com quase nenhuma responsabilidade sobre as questões socioambientais e de saúde pública, não fiquem espantados com o que vem adiante.
A nova lei vai ajudar a nos matar a todos, pois o pior veneno é aquele que agrada. Sem exagero!
(*) Assessor jurídico e de incidência política da Rede Eclesial Pan-Amazônica(REPAM-Brasil)