Redação Planeta Amazônia
No início da manhã do sábado, 2 de novembro, na Conferência de Biodiversidade da ONU (COP16), realizada na Colômbia, 196 países concordaram em estabelecer um novo fundo global dedicado à partilha dos benefícios derivados do uso de informações de sequência digital (DSI) de recursos genéticos.
No entanto, após uma maratona de 24 horas de negociações finais, as discussões sobre o estabelecimento de um novo fundo mais amplo para a biodiversidade, assim como outras deliberações importantes, foram adiadas e a reunião acabou suspensa, pois já não havia negociadores suficientes presentes na sala para tomar decisões. Com esse resultado, corre-se o risco de a confiança e a implementação do Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal (KMGBF) serem minadas.
A decisão sobre o “Fundo Cali” estabelece que as empresas que utilizam informações de sequência digital (DSI) de recursos de biodiversidade genética em seus produtos devem destinar uma parte de seus lucros ou receitas para o fundo. Embora os detalhes sobre a distribuição ainda estejam sendo finalizados, foi acordado que 50% do fundo será alocado para Povos Indígenas e comunidades locais, seja diretamente ou por meio de governos. Isso permitirá que essas comunidades, incluindo mulheres e jovens, finalmente usufruam dos lucros.
Kirsten Schuijt, diretora-geral do WWF Internacional, disse: “O novo ‘Fundo Cali’, embora imperfeito e com muitos detalhes ainda a serem resolvidos, é um importante passo adiante. Ele garante que as empresas que lucram com a natureza contribuam de forma justa para a conservação da biodiversidade e direciona financiamento crucial para as pessoas e os lugares que mais precisam.”
Ao comentar sobre a suspensão da reunião, Schuijt acrescentou: “Apesar dos esforços corajosos da Colômbia e do trabalho incansável de muitos negociadores para encontrar um consenso e construir pontes entre os países, esse resultado coloca em risco a implementação do Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal. Ninguém deveria ficar satisfeito com isso, porque nos impactará a todos. Cumprir a missão de interromper e reverter a perda da natureza até 2030 nunca seria fácil, mas agora estamos nos desviando perigosamente do caminho.”
“A falta de quórum pode representar um atraso significativo na implementação das metas globais de biodiversidade, incluindo aquelas que são especialmente relevantes para países megabiodiversos, como o Brasil. Além disso, a falta de consenso suficiente para dar continuidade à COP16 reforça a necessidade de maior comprometimento e alinhamento entre os países e a urgência de estruturas mais sólidas de governança ambiental”, destacou Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, em Cali. “Como consequência dessa suspensão, espera-se uma nova rodada (COP16.2) o mais breve possível para que os diálogos entre as partes sobre itens fundamentais na agenda sejam concluídos e o relatório final possa ser aprovado.”
“Os negociadores brasileiros tiveram um papel crucial em pautas essenciais para a implementação do Marco Global de Biodiversidade, como DSI, a inclusão de afrodescendentes e a criação de um órgão subsidiário para povos indígenas e comunidades tradicionais, e sinergis entre clima e biodiversidade. Ao lado da Colômbia, que preside a COP16, o Brasil traçou o caminho de Cali (convenção de biodiversidade) a Belém (que recebe a COP de clima no ano que vem), com diálogo e participação popular”, afirma Santos.
As negociações sobre o monitoramento de progressos avançaram nas últimas duas semanas, focando em preencher lacunas no quadro de monitoramento e nas modalidades de um processo de revisão global (“avaliação”) em 2026 e 2030, que ajudaria a responsabilizar os países pela implementação do KMGBF. Mas, lamentavelmente, essas negociações não puderam ser concluídas antes da suspensão da COP.
Os países desenvolvidos estão atrasados em seus compromissos de fornecer US$ 20 bilhões anualmente em financiamento internacional para a biodiversidade até 2025. As promessas para o mecanismo de financiamento provisório, o Fundo do Marco Global de Biodiversidade (GBFF), em Cali, também foram escassas, com o fundo totalizando atualmente US$ 407 milhões. As ações em torno da identificação e redirecionamento de subsídios prejudiciais à natureza tiveram pouco progresso desde a adoção do KMGBF.
“Acompanhar as negociações sobre o financiamento da biodiversidade aqui em Cali foi tão agradável quanto uma cirurgia de canal radicular”, disse Bernadette Fischler Hooper, chefe de Advocacy Internacional do WWF-UK. “A discórdia entre os países doadores e em desenvolvimento pouco antes da suspensão da reunião não é surpreendente, mas certamente decepcionante. Os países estão divididos há anos e não conseguiram encontrar uma solução que funcione para todos. No entanto, esperar mais tempo para tomar a decisão urgentemente necessária sobre o fundo dedicado à CDB ameaça a realização das metas de biodiversidade para 2030.”
No final da COP16, 44 Estratégias Nacionais de Biodiversidade e Planos de Ação (NBSAPs) revisados foram submetidos e 119 Partes apresentaram Metas Nacionais revisadas, representando cerca de 63% dos países, um aumento bem-vindo em relação ao período anterior à COP, quando menos da metade dos países havia publicado planos ou metas.
“Tivemos avanços significativos para a conservação da biodiversidade marinha na COP16. Na madrugada de sábado, foi aprovado o Programa de Trabalho para Biodiversidade Marinha e Costeira e o Programa de Trabalho para Biodiversidade e Clima, ambos que indispensáveis para a implementação do Marco Global da Biodiversidade em 70% do nosso planeta”, salientou Marina Corrêa, analista de conservação do WWF-Brasil.
“Enquanto o Programa de Biodiversidade e Clima reconhece diversas vezes a importância do nexo Oceano e Clima para o enfrentamento da crise da biodiversidade e clima, abrindo espaço para o fundamental tema na COP30, o Programa de Biodiversidade Marinha e Costeira também traz grandes avanços para a agenda da biodiversidade azul. Apesar de não fortalecer diretamente as decisões do Tratado de Alto Mar e não trazer menções a abordagens baseadas em direitos humanos e equidade de gênero, o texto do Programa de Biodiversidade Marinha e Costeira está robusto”, acrescenta Marina. “Ele traz diversos assuntos importantes e atualiza o mandato do trabalho do Secretariado da CBD para avançar nos elementos do Marco Global da Biodiversidade relacionados a ecossistemas marinhos, costeiros e ilhas, fortalecendo sua implementação.”
Outro ponto importante, frisou Marina, foi a aprovação de um mecanismo de revisão das EBSAs, que é um anexo do Programa da Biodiversidade Marinha e Costeira. “As EBSAs são regiões no oceano de importância elevada devido às suas características ecológicas e biológicas, como habitats essenciais, áreas de alimentação ou zonas de reprodução para espécies-chave. Com a nova decisão, torna-se possível atualizar e incluir novas áreas essenciais para a conservação, o que é fundamental especialmente para o cumprimento da meta de proteger 30% do oceano até 2030, entre outras”, afirmou.
“COP DO POVO”
“Um dos principais objetivos da Colômbia era reunir vozes de comunidades diversas de todo o mundo, para garantir que fossem ouvidas na COP16”, diz a Dra. Lin Li, Diretora Sênior de Políticas Globais e Advocacia do WWF Internacional. “Depois de muitos anos participando dessas cúpulas, pela primeira vez, esta foi verdadeiramente uma ‘COP do Povo’ – com uma participação aumentada de Povos Indígenas, comunidades locais, afrodescendentes, mulheres e jovens, todos expressando suas preocupações com a Mãe Terra. Suas vozes devem ser ouvidas pelos tomadores de decisão nas salas de negociação, nos escritórios governamentais e nas salas de reunião das empresas que esgotam a natureza, e seus pedidos incorporados às decisões que estão sendo tomadas”, continuou Li.
Sandra Valenzuela, CEO do WWF Colômbia, acrescentou: “A adoção do programa de trabalho do Artigo 8(j) e do Órgão Subsidiário é uma decisão monumental para garantir a participação plena e efetiva dos Povos Indígenas e comunidades locais no trabalho realizado sob a Convenção sobre Diversidade Biológica. O reconhecimento dos povos afrodescendentes que representam estilos de vida tradicionais na conservação da biodiversidade é essencial para a implementação da Convenção. É um passo à frente para alcançar a paz com a natureza.”
Houve progresso notável em algumas áreas. Isso incluiu a integração da biodiversidade em setores-chave, com o lançamento de um novo Grupo de Campeões da Integração liderado por governos, com o apoio de 18 Partes (e crescendo). A adoção de um plano de ação sobre biodiversidade e saúde e dos procedimentos para a descrição de Áreas Ecologicamente ou Biologicamente Significativas (EBSAs) nos oceanos também foram desenvolvimentos importantes, sendo este último um passo significativo para alcançar a meta de conservar 30% das áreas oceânicas até 2030. A COP16 também contou com uma participação pública sem precedentes, incluindo a primeira Zona Verde da CDB da ONU em Cali.
Também houve progresso na integração de esforços para a natureza e o clima. Com a COP29 a apenas algumas semanas de distância em Baku, o WWF acolhe com satisfação o compromisso das Partes de fortalecer a alinhamento dos NBSAPs e das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e de explorar uma colaboração mais forte entre as convenções de clima e biodiversidade, bem como um melhor acompanhamento das fontes de financiamento para evitar a dupla contagem de recursos financeiros para natureza e clima.