Negócios de impacto avançam, mas o capital ainda não chega às mulheres

Por Luciana Sonck (*)

O ecossistema de impacto social no Brasil cresceu, se sofisticou, atraiu capital e desenvolveu novas métricas. Mas há um dado que persiste ano após ano e que precisa ser enfrentado com mais coragem: as mulheres seguem fora do centro das decisões e dos recursos.
 

Segundo o 4º Mapa de Negócios de Impacto (Pipe.Social e Quintessa, 2023), apenas 14% dos negócios liderados por mulheres captaram mais de R$ 500 mil. Entre os liderados por homens, esse número sobe para 67%.
 

A limitação de escala não é uma questão de desempenho individual, e sim de estrutura. De acordo com o relatório Panorama do Empreendedorismo Feminino no Brasil (GOV.BR, 2023), 95% dos negócios liderados por mulheres nunca ultrapassaram a barreira dos seis dígitos de faturamento anual. Mesmo quando formalizados, muitos desses empreendimentos operam em circuitos restritos, ou seja, excluídos dos fluxos de investimento, das compras públicas, dos grandes contratos e das parcerias institucionais.
 

As mulheres têm sido protagonistas de uma inovação social ainda pouco valorizada que buscam de maneira intersetorial, territorial e orientada a resolução de problemas complexos. Estão à frente de negócios que redesenham cadeias produtivas locais, enfrentam a insegurança alimentar, promovem a justiça climática e fortalecem redes de cuidado.
 

Apesar disso, enfrentam barreiras recorrentes no acesso a crédito, investimento e contratos institucionais. Segundo o Instituto Rede Mulher Empreendedora (IRME, 2021), 42% das empreendedoras que solicitaram crédito tiveram o pedido negado. E mesmo quando aprovado, o crédito costuma vir com mais restrições. Além disso, negócios fundados por mulheres seguem sendo rotulados como “projetos” ou “iniciativas sociais”, rótulos que as afastam de editais, rodadas de investimento e programas de grande escala.
 

No setor público, o cenário infelizmente não é muito diferente. Em 2023, micro e pequenas empresas (MPEs) movimentaram mais de R$ 17,3 bilhões em compras governamentais, segundo a Agência Sebrae de Notícias. Mas os dados ainda não são desagregados por gênero, o que impede uma análise precisa da presença feminina nesse mercado. A ausência dessa informação, por si só, já é um sinal: sem dados, não há política.
 

Essa exclusão não é acidental. É reflexo de um sistema financeiro construído historicamente para homens. Durante décadas, mulheres foram legalmente impedidas de acessar crédito, registrar propriedades ou abrir contas bancárias. Embora esses entraves legais tenham sido superados, seus efeitos institucionais persistem. Hoje, os critérios tradicionais de análise de risco, performance e inovação continuam desconsiderando os contextos em que as mulheres — em suas múltiplas diversidades — empreendem.
 

O mesmo se repete na produção de dados e estudos com perspectiva de gênero: muitos são desenvolvidos sem acesso a recursos externos. Conheço essa realidade de perto com o estudo Piores Cidades para Ser Mulher (2024), um ranking que mapeia o desempenho de médias e grandes cidades brasileiras frente às metas do ODS 5 (Igualdade de Gênero). A pesquisa foi realizada sem financiamento, mas entregou uma análise robusta com dados de 319 municípios, oferecendo subsídios para governos, empresas e organizações formularem políticas públicas e estratégias institucionais. Com acesso estruturado a financiamento, os resultados poderiam ser ainda mais estratégicos, escaláveis e duradouros.
 

Estudos do Boston Consulting Group (2018) revelam que startups fundadas por mulheres geram 2,5 vezes mais receita por dólar investido do que aquelas fundadas por homens. Além disso, em posições de liderança mulheres tendem a reinvestir mais em suas comunidades, promovendo impactos sociais positivos como geração de empregos locais, fortalecimento de redes de apoio e soluções adaptadas às realidades do território. No campo da sustentabilidade, a ONU já reconheceu que nenhum dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável será alcançado sem o protagonismo feminino na tomada de decisão.
 

Ou seja: há racionalidade econômica, evidência internacional e soluções locais já em curso. O que falta é disposição para ajustar as engrenagens que ainda concentram capital, confiança e escala nas mãos de poucos.

Há uma geração de empreendedoras no Brasil construindo soluções sólidas, com consistência técnica, capacidade de execução e profundo alinhamento aos desafios do século 21, que vão desdea transição climática à economia do cuidado. Integrar essas lideranças ao centro das estratégias ESG, dos fundos de impacto e das compras corporativas não é apenas uma correção histórica. É uma oportunidade concreta de inovação, diversificação e retorno sustentável.
 

O ecossistema de impacto amadureceu. Mas enquanto os recursos continuarem sendo direcionados para os mesmos perfis e estruturas, a inovação social seguirá restrita, não por falta de soluções, mas por ausência de acesso.

(*) Mestra em planejamento territorial e especialista em governança

By emprezaz

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