Texto de Bruno Pacífico, Mauricilia Silva e Raiara Barros*
O sonho de Chico Mendes ecoa nos jovens Barros. “Naquela época, ele pensava em nós, os jovens do futuro”, conta Ronaira Barros, de 27 anos. “Foi um herói da floresta, brutalmente assassinado aos 43 anos, no dia 22 de dezembro de 1988, como tantos outros, por defender a floresta e os povos que nela vivem”, lembra.
Ronaira, junto dos irmãos Raiara e Rogério, são os herdeiros de sangue e luta de Raimundo de Barros, o Raimundão, de 77 anos – uma das lideranças que lutou pelos direitos das populações extrativistas e pela defesa da floresta ao lado de Chico Mendes, cunhado/irmão de Raimundo. Raimundão reconhece a relevância do papel da juventude na luta pelo uso sustentável das florestas. “O futuro da nossa biodiversidade que vem da floresta, dos animais, da água, depende dos jovens de hoje. Eu me sinto muito feliz quando vejo a juventude se envolver nesta causa”.
Eles vivem exatamente na cidade que ficou mundialmente famosa por ser terra de Chico, a Xapuri, no Acre. Mais especificamente, na Resex Chico Mendes.
“As áreas de Resex funcionam como campo estratégico de conservação do meio ambiente. Graças à criação dessa modalidade de Unidade de Conservação, este grande fragmento florestal ainda está em pé”, explica o engenheiro agrônomo e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no Acre, Eufran Amaral.
É evidente que a manutenção das Resex, bem como o uso ordenado e sustentável do meio ambiente trazem benefícios globais. “As florestas têm papel primordial na regulação do clima do contexto regional ao global. Ao capturar CO2 da atmosfera e liberar oxigênio, contribuem para o equilíbrio do sistema climático global”, explica Eufran.
Para Raiara, de 18 anos, a segunda maior reserva extrativista do Brasil é o paraíso. A Resex possui mais de 970 mil hectares e abrange sete municípios do estado do Acre. A população das Resex vive principalmente do extrativismo, como a coleta de frutos da floresta, extração do látex da borracha, óleos e sementes. Aos moradores, é permitida a agricultura de subsistência e a criação de animais de pequeno porte, sem que ocorra a derrubada de árvores.
Contagiada pela história de resistência dos seus antepassados, Raiara decidiu abraçar a causa e levar adiante tudo que foi vivido na época de Chico Mendes. O grande sonho da jovem é poder somar com outros, criar estratégias e maneiras de viver nos territórios sem precisar destruí-los. Entre os sonhos, está a implementação de algum tipo de ambiente acadêmico e de formação, para evitar o êxodo da juventude extrativista, pois “o nosso lugar é aqui, temos que lutar e permanecer aqui!”, coloca.
Enquanto cresce como reflexo da luta de seu pai e do primo de segundo grau, Chico Mendes, Raiara observa como é exceção dentro da reserva que leva o nome de Chico. Ela vê que grande parte dos jovens não têm o mesmo afeto pela floresta, nem a vontade de lutar para que a floresta permaneça em pé. Ao contrário, o pensamento de muitos jovens, segundo ela, está voltado para o “agro”. Ela diz ser recorrente ouvir relatos sobre caças ilegais e a destruição das florestas para a criação de campos, por exemplo.
“Acho que a juventude deveria estar mais unida, mais fortalecida para que a gente possa protestar em relação às mudanças no clima que estão acontecendo”, coloca Rogério Barros, de 24 anos. “Para que a gente possa trazer o olhar para as populações extrativistas e essa juventude que vive na reserva ter um estilo de vida melhor, ter mais educação, mais atividades extrativistas que possam tá trazendo mais renda. Uma das formas de engajamento dos jovens nessa luta é fazer com que os jovens entendam melhor a causa, e a juventude é fundamental para mudar toda essa situação”.
Rogério diz se preocupar com os impactos das mudanças climáticas e aponta que também é papel dos jovens discutir sobre essa urgência. Para ele, os espaços de debate na internet também são ferramentas de proteção e mesmo de exposição da floresta. Ainda segundo Rogério, mesmo que a qualidade da conectividade à Internet se mostre como desafio a ser vencido, os meios digitais devem ser ocupados.
“A conexão pelo meio digital tem me possibilitado mostrar um pouco da minha vida, da luta aqui dentro da floresta. Considero o meio digital uma das armas para quem vive dentro da floresta. A gente pode estar se protegendo e mostrando a beleza da mata nativa. Meu Instagram é muito focado em questões da floresta. Eu vejo que é um fortalecimento das pessoas que vêem minha rede social, elas começam a se encantar com as histórias que eu passo aqui dentro da floresta”, explica o jovem, que tem 1.077 seguidores no Instagram.
No perfil do Instagram Poronga do Acre, criado em março deste ano, ainda com 166 seguidores, é possível conhecer parte, momentos, da vida dos jovens herdeiros da luta extrativista. “No começo, queríamos mostrar nosso modo de vida, conectar o mundo da floresta com pessoas de diversas localidades, denunciar possíveis emergências. Depois vimos que o alcance e a visibilidade das mídias digitais poderia também nos ajudar a gerar renda para outros jovens, foi aí que pensamos em elaborar um projeto de turismo comunitário ambiental que pode beneficiar um número maior de jovens da Resex. É um sonho, mas já estamos lutando para virar realidade”, destaca a Raiara.
*Este conteúdo foi produzido com apoio do programa Jornalismo e Território, da Énois Laboratório de Jornalismo. Para saber mais, acesse www.enoisconteudo.com.br ou @enoisconteudo nas redes sociais.