A contraditória atuação do Governo Federal com relação à agenda ESG

(*) William Baghdassarian

A Região Amazônica recebe um misto de admiração e encantamento por parte da população de nosso país e de preconceito e incompreensão por outra parte. O fato é que os habitantes do Amazonas e dos demais estados da região enfrentam desafios particulares para sobreviver e, principalmente, para atuarem como agentes protetores da Floresta Amazônica, talvez, o principal e mais importante bioma de nosso planeta. 

Só o Estado do Amazonas representa mais de dezoito por cento do território brasileiro, enquanto sua população não chega a dois por cento de toda a população brasileira. São números que demonstram uma baixa densidade populacional causada exatamente pela preservação da Floresta Amazônica. Como comparação, Minas Gerais, que ocupa uma área equivalente a apenas 37 por cento da área do Estado do Amazonas, possui 853 municípios, contra apenas 62 do Amazonas.  Mesmo o Pará (144 municípios) ou o Mato Grosso (141 municípios) têm densidades populacionais maiores do que o Amazonas. Ou seja, ainda que se considere o desmatamento, pode-se dizer que os esforços para preservação da floresta vêm sendo bem-sucedidos ao longo do tempo.

Essa proteção pode ser explicada por uma série de fatores tais como as políticas públicas federais e estaduais de preservação da floresta, pela consciência dos povos da região, incluindo os povos originários, sobre a importância de se manter esse relevante bioma preservado, e também de uma política pública de incentivos fiscais ligada à Zona Franca de Manaus que possibilita a concentração econômica da produção do Estado naquele município, evitando que áreas da floresta sejam utilizadas para outras atividades como, por exemplo, a agricultura e pecuária.

Se, do ponto de vista econômico, não faria muito sentido enviar peças de motocicleta de São Paulo para Manaus para que fossem fabricadas motocicletas que retornassem a São Paulo para serem vendidas, do ponto de vista dos esforços de preservação da floresta é bastante salutar que se consiga concentrar mais da metade da população do Estado, aproximadamente dois milhões de pessoas, em apenas um município e que lhes seja oferecido oportunidades de emprego de alta qualidade no setor industrial, evitando assim a utilização das vastas extensões da floresta para a extração predatória de madeira, minérios e mesmo de atividades agropecuárias. É um custo que o país decidiu pagar há quase setenta anos, ainda no governo do presidente Jucelino Kubitschek, e que foi confirmado pela Constituição Federal no art. 40 das ADCTs e em várias outras ocasiões.

Há quem diga que se trata de uma forma ineficiente de proteger a floresta pois é cara comparativamente com outras políticas, além de pouco focalizada, já que supostamente beneficiaria mais as grandes empresas do que a população do Estado. 

Com relação a esses argumentos inicialmente é necessário realizar uma avaliação técnica isenta dos custos e benefícios da Zona Franca de Manaus e compará-los com alguma proposta alternativa de desenvolvimento econômico de Manaus e dos poucos municípios do Estado, como forma de reduzir os incentivos para a utilização indevida e predatória da floresta. Salvo melhor juízo, até hoje não foram apresentadas alternativas viáveis à política da Zona Franca de Manaus com relação à proteção da Amazônia.

A maior parte das avaliações técnicas dos benefícios da Zona Franca de Manaus são realizados por autoridades fiscais federais que a consideram um “gasto tributário” indevido sem apresentar os benefícios da manutenção da Floresta Amazônica, fazendo com que a população tenha a percepção equivocada de que é uma política pública indevida e que deveria ser descontinuada. Ilustrativamente, é como apresentar os custos do sistema de saúde com medicamentos, sem apresentar os dados de tratamentos médicos e de cura de pacientes doentes.

Curiosamente, essa situação é uma demonstração da contraditória ação governamental com relação à agenda ESG. O mesmo Estado que assina tratados e acordos internacionais se comprometendo com causas como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, com o Acordo de Paris, dentre vários outros, é o mesmo que ataca uma política pública que visa proteger a Floresta Amazônica sem apresentar alternativas, demonstrando que a governança da ação estatal apresenta falhas de coordenação e decisão, onde cada órgão atua para proteger seus interesses específicos sem uma visão abrangente do bem público a ser protegido.

A contradição também se expressa no contingenciamento de recursos federais e estaduais para áreas ligadas ao meio ambiente e ao combate dos efeitos das mudanças climáticas. Sabe-se que são áreas que já operam abaixo do necessário para um combate efetivo e que com a restrição orçamentária imposta acabam por não serem capazes de realizar a proteção da Amazônia e de outros biomas de forma adequada. 

Outro exemplo desse tipo de contradição, com riscos ainda mais graves para a região, é a regulamentação da reforma tributária, realizada por meio do Projeto de Lei Complementar nº 68, de 2024, e recentemente aprovada pela Câmara dos Deputados. Ainda que a Emenda Constitucional nº 132, de 2023, tenha assegurado a proteção da Zona Franca de Manaus, a regulamentação aprovada pela Câmara dos Deputados altera substancialmente a tributação sobre o consumo de bens e serviços e reduz a atratividade da Zona Franca de Manaus para as empresas, sem oferecer alternativas de geração de emprego e renda na região.

William Baghdassarian é professor de Finanças do Ibmec Brasília/foto: Divulgação Ibmec

É preciso que fique claro que o bem público que está sendo defendido é a preservação da floresta, o que só será possível com o engajamento da população local e com a geração de oportunidades atraentes de emprego e renda para as pessoas que lá residam e que compensem a renúncia à utilização predatória da floresta. 

Provavelmente existem alternativas mais eficientes para a preservação da Floresta Amazônica do que o modelo da Zona Franca de Manaus que é supostamente caro e mal focalizado, mas, até que haja uma avaliação técnica isenta do modelo atual e a apresentação de propostas alternativas mais favoráveis que respeitem as características demográficas e geográficas, e que assegurem a geração de emprego e renda na região, há que se preservar e aperfeiçoar o modelo existente, sob pena de criarmos incentivos adversos para a exploração indevida da floresta. 

(*) Professor de Finanças do Ibmec Brasília

By emprezaz

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