Por Giovanna Roncato Marques de Castro (*) e João Gabriel de Araujo Oliveira (**)
O grupo dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Indonésia), surgiram como um grupo de economias emergentes com potencial para se destacarem no cenário mundial. Desde que foi formalmente estabelecido em 2010, o grupo tem se esforçado para desenvolver alternativas ao sistema financeiro global dominado pelo Ocidente, culminando na formação do New Development Bank (NDB) em 2014. O NDB, sediado em Xangai, surgiu como uma entidade voltada para projetos de infraestrutura e investimentos sustentáveis, distinguindo-se dos tradicionais FMI e Banco Mundial. No entanto, mesmo após mais de uma década, o efeito dessa instituição ainda não representa uma ameaça contundente à supremacia do dólar.
O NDB foi criado para conceder crédito sem influenciar as políticas econômicas dos países, ao contrário das demandas feitas pelo FMI e Banco Mundial. Contudo, a ideia de desdolarização, inicialmente considerada uma opção para reduzir riscos cambiais, ainda não se estabeleceu. Aproximadamente 80% dos empréstimos do NDB ainda são concedidos em dólar, demonstrando a influência que a moeda americana ainda tem no sistema financeiro mundial. A necessidade de reforçar o uso de moedas locais é clara, especialmente considerando a entrada de novos membros em 2024, como Indonésia, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos. A entrada dessas nações pode ampliar o capital do Banco, mas também aumenta o risco das operações, destacando a complexidade de uma entidade que, mesmo tentando se apresentar como uma opção, continua vinculada ao dólar.
Este debate se concentra na questão da China. O país, que se estabeleceu como a maior economia do BRICS (a China), é emitidora da moeda Yuan. Conforme ressaltado pelo economista Alexandre Neves, “apesar do Brasil já possuir acordos para efetuar transações diretas em Yuan, a maior parte desses fundos acaba sendo convertida para o dólar através do sistema SWIFT (que tem a função de permitir a troca de informações bancárias e transferências financeiras entre instituições)” . Ou seja, mesmo buscando diminuir a dependência do dólar, o Brasil continua financiando o sistema financeiro dos Estados Unidos, enquanto a China mantém sua conta de capitais fechada, o que impede a livre conversão do Yuan. Este contexto suscita uma questão crucial: até que ponto o Brasil, que historicamente tem como objetivo fortalecer sua balança comercial, pode ver a China como um aliado econômico confiável? Uma vez sabendo que as práticas cambiais chinesas continuam sendo amplamente manipuladas.
A atuação da China no contexto financeiro global suscita questionamentos válidos. Apesar da China ser o maior comprador de commodities do Brasil, seu controle cambial limitado impede que investidores internacionais tenham acesso total ao seu mercado de capitais. Conforme Neves advertiu, o Brasil, ao não se tornar membro pleno da OMC, manteve-se acomodado enquanto a China expandia sua influência Global através de políticas industriais agressivas. A consequência é uma situação onde o Brasil, que poderia se beneficiar de um comércio balanceado, continua prisioneiro de uma economia que mantém sua conta capital fechada, o que complica o acesso a ativos chineses.
Este cenário é intensificado pela disputa comercial entre os Estados Unidos e a China. O imposto americano visava conter o crescimento chinês, contudo, também revelou a fragilidade de economias que dependem do comércio internacional, como é o caso do Brasil.
A Rússia passou para o Brasil a presidência do BRICS em 2024 uma agenda focada na substituição do sistema SWIFT por um sistema alternativo de pagamentos e na implementação de moedas locais nas operações do grupo. Porém, a implementação desses objetivos é incerta, especialmente levando em conta a mudança de liderança para a Índia no segundo semestre deste ano.


Diante de uma conjuntura global instável, o Brasil precisa estabelecer sua posição estratégica. Permanecer alinhado com os Estados Unidos pode assegurar estabilidade monetária, contudo, restringe a implementação de políticas econômicas que buscam diminuir a dependência do dólar. Contudo, uma aproximação mais estreita com a China pode ser um perigo, levando em conta o controle cambial arbitrário do governo chinês.
A rota financeira dos BRICS ainda está sendo construída, porém, por enquanto, continua sendo um trajeto repleto de contradições. O NDB, anunciado como uma opção às instituições multilaterais como o FMI e o Banco Mundial, ainda opera majoritariamente em dólar, enquanto a meta de desdolarização persiste devido à ausência de uma integração efetiva entre as economias do grupo.
Neste cenário, o futuro do Brasil dependerá da habilidade de reconsiderar suas prioridades econômicas, sem negligenciar a importância de formar alianças comerciais que proporcionem segurança e previsibilidade. O questionamento que persiste é: o Brasil será capaz de harmonizar suas relações comerciais sem se tornar dependente da política cambial chinesa? E quanto a supremacia financeira dos Estados Unidos?
(*)Aluna de Administração do Ibmec-DF/ (**) Professor Adjunto I, Ibmec-DF