Artivista Mundano pinta mega-mural com cinzas de biomas brasileiros para denunciar quem lucra com destruição de florestas

Redação Planeta Amazônia

Talvez você nunca tenha ouvido falar em Cargill-MacMillan, embora esse seja o sobrenome da 14ª família mais rica dos Estados Unidos. Com um patrimônio líquido combinado de aproximadamente US$ 60 bilhões, ela congrega mais bilionários do que qualquer outra no mundo. Sua riqueza vem dos lucros da gigante do agronegócio Cargill Inc, uma das maiores empresas privadas dos Estados Unidos e uma das principais corporações por trás do avanço do agronegócio brasileiro sobre a Amazônia e o Cerrado brasileiros. Para encerrar esse conveniente anonimato e cobrar a responsabilidade pela destruição ambiental que ela induz em nosso país, o artivista Mundano inaugura hoje, quando já está em declínio a pior temporada de fogo do Brasil em 14 anos, um dos maiores murais da cidade de São Paulo, cobrando o fim da aquisição de produtos oriundos do desmatamento.

Foram seis artistas que se movimentaram com oito balancinhos elétricos em um dos prédios com maior lateralidade em São Paulo/foto: Luan Rentes

Arte para denunciar

Com 1.581,60m², o mega-mural fica em um prédio cuja lateral é voltada para a avenida Brigadeiro Luís Antônio, a duas quadras da avenida Paulista, com ampla visibilidade. A imagem foi pintada com cinzas da floresta amazônica, do Cerrado, da Mata Atlântica e do Pantanal, que estão sendo destruídos para abrir espaço para lavouras de soja que vendem sua produção à Cargill. A produção da obra inclui também lama de cidades do Rio Grande do Sul devastadas pelas inundações que foram comprovadamente agravadas pela mudança do clima, que é acelerada pela destruição ambiental promovida pelo grande agronegócio. A obra retrata a indígena Alessandra Munduruku – uma das mais ativas lideranças brasileiras na denúncia da irresponsabilidade ambiental da Cargill – cobrando a realização da promessa, feita por essa família em 2023, de eliminar produtos oriundos de desmatamento de sua cadeia de fornecimento até 2025.

“O artivismo é uma maneira de alertar sobre a emergência climática, o maior desafio da humanidade. No Brasil e no mundo sofremos com ondas de calor, secas severas, enchentes, causadas pelo desequilíbrio ambiental que grandes corporações como a Cargill estão promovendo. Meu país foi engolido pela fumaça da ganância. Cargill-MacMillan, querem ser lembrados por serem uma família que acelerou a extinção da humanidade ou por ter sido a família que entendeu a urgência e foi uma das propulsoras para iniciar uma grande mudança global?”, questiona Mundano.

Artivista Mundano durante pintura do Mural em São Paulo/foto: Luan Rentes

“Eu vejo essa pintura como um pedido de basta em toda destruição que empresas como a Cargill insistem em fazer pelo mundo todo. Se não pararmos com essas práticas o único cenário que as gerações futuras vão conhecer é esse que está atrás de mim na pintura: árvores queimadas e rios secos. Espero que quem passar por esse prédio se veja mais como parte da natureza e se enfureça com os que estão a destruindo!”, declara Alessandra Munduruku.

O mural, um dos maiores de São Paulo, foi executado em parceria com a Campanha Burning Legacy da Stand.earth. Sua inauguração acontece no mês que marca o início da desaceleração da pior temporada de queimadas no Brasil dos últimos 14 anos, quando o fogo foi amplamente usado para desmatar novas áreas para expansão da fronteira agropecuária no país. Após a inauguração do mural, a Stand.earth levará a mensagem até a porta da família Cargill-MacMillan, nos Estados Unidos, por meio de uma série de cartazes criados por Mundano com líderes indígenas e suas comunidades. Cada cartaz terá o nome de um membro da família impresso com as mesmas cinzas de florestas usadas na produção do mural e a frase: “Cumpra Sua Promessa – Pare a Destruição”.

“A família Cargill-MacMillan diz que não é responsável pelas ações da Cargill porque não está envolvida em sua gestão”, explica Mathew Jacobson, Diretor da campanha Burning Legacy, da Stand.earth. “Isso é como dizer que não sou responsável se meu cachorro te morder porque não estou envolvido no seu adestramento. Como proprietários da Cargill, eles são responsáveis por suas ações. Apenas eles podem decidir se o legado de sua família será de mudança de curso e proteção das florestas do mundo ou se serão responsáveis por sua extinção.”

“Para aumentar seus lucros, a Cargill impulsiona a construção da Ferrogrão, uma mega-ferrovia que sacrificaria a Amazônia e o Cerrado, violando os direitos dos povos indígenas e comunidades locais”, disse Pedro Charbel, coordenador de campanhas para o Brasil na Amazon Watch. “Este megaprojeto para expandir ainda mais a produção de soja e milho é a antítese do compromisso da empresa de eliminar o desmatamento. A família Cargill-MacMillian deveria suspender o apoio da Cargill à Ferrogrão e ajudar a interromper definitivamente seu avanço.”

O mural

Com mais de 30 metros de altura e 48 metros de largura, totalizando 1,581,60m² de área, o mural Keep Your Promises é um dos maiores da cidade de São Paulo e da América do Sul. Sua execução foi muito desafiadora. Foram seis artistas que se movimentaram com oito balancinhos elétricos em um dos prédios com maior lateralidade em São Paulo. Todas as tintas foram feitas com cinzas da Amazônia, da Mata Atlântica, do Pantanal, do Cerrado, além de lama das enchentes do Rio Grande do Sul, terra jogada fora em caçambas em São Paulo e argila coletada na terra indígena Sawré Muybu – ou seja, são pigmentos naturais feitos a partir de crimes e desastres ambientais.

Com 1.581,60m², o mega-mural fica em um prédio cuja lateral é voltada para a avenida Brigadeiro Luís Antônio, a duas quadras da avenida Paulista, com ampla visibilidade/foto: Luan Rentes

Mundano explica que a inspiração vem da destruição causada pelas cadeias de fornecimento da soja e da carne, que é gigantesca – daí a ideia foi fazer o maior mural possível em São Paulo. A inspiração vem também da experiência de andar em cima de solo rachado da seca, de ter andado e coletado as cinzas com as quais a tinta foi feita. Vem de ver a floresta queimar, de apagar incêndio florestal, criminoso, ali como fazem os brigadistas – que já foram objeto de outro mural de Mundano na capital paulista. Por isso, ele colocou em 1.440 metros quadrados a mensagem, escrita em um cartaz e desenhada no fundo, representando a seca vivenciada em boa parte do nosso país, do sul global e outras regiões, mas também as queimadas dos biomas.

A inspiração vem também da vivência propiciada pela expedição que Mundano fez com a Alessandra Corapi e mais de 50 indígenas que na região do Tapajós autodemarcaram a terra indígena Sawré Muybu. Foi ali que Mundano viu como a Alessandra é uma guerreira gigante que está defendendo seu território, está defendendo a Amazônia de pé – e defendendo-a contra o avanço da soja que acaba sendo comercializada pela Cargill. Daí a decisão de pintar a Alessandra como gigante no mural.

Soja: mercado altamente concentrado

Em nível mundial, um pequeno grupo de empresas – ADM, Bunge, Cargill, COFCO e Louis Dreyfuss Company – controla entre 70% e 90% do comércio global de grãos comerciais, como milho e soja. Isso significa que essas empresas têm um enorme poder para mudar a trajetória de destruição dos atuais sistemas alimentares. Se elas se comprometerem a eliminar produtos oriundos de áreas de desmatamento de suas cadeiras de fornecimento, será possível reverter o atual cenário de destruição ambiental nos países produtores.

O Brasil respondeu por 39% do mercado global de soja na safra 2023/2024/foto: Secom-RR

Nesse contexto, o Brasil se destaca: nosso país é o maior produtor mundial de soja, responsável por 153 milhões de toneladas na safra 2023/2024, ou 39% do mercado global dessa commodity. Ao mesmo tempo, quase todo o desmatamento (97%) do ano passado teve a expansão agropecuária como vetor, segundo dados do Relatório Anual do Desmatamento do MapBiomas. A relação entre a agropecuária e as queimadas ficou evidente este ano: a área queimada em grandes, médias e pequenas propriedades rurais corresponde a 39% dos 11,3 milhões de hectares queimados entre janeiro e agosto deste ano. Nenhuma outra categoria fundiária queimou tanto no período. No caso dos imóveis rurais grandes, a área queimada foi 163% maior do que o registrado no ano passado.

Dados da plataforma Trase, atualizados até 2020, mostram que as cinco grandes traders de commodities estão expostas, ou seja, há o risco de que estejam relacionadas a mais da metade (57%) do desmatamento das exportações de soja do Brasil. Em 2020, a Cargill era a terceira trader mais exposta ao desmatamento.

By emprezaz

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