Ciência agronômica, biocapacidade e serviços ecossistêmicos

Décio Luiz Gazzoni e Evaldo Vilela (*)

No dia 5 de junho comemoramos o dia do meio ambiente. A ciência agronômica engloba os conhecimentos, as tecnologias e as práticas para a obtenção de produtos agrícolas, de forma sustentável. E um de seus pilares é integrar a produção agrícola com o meio ambiente, com o menor impacto adverso possível, preferencialmente sem impactos.

Para aferir a sustentabilidade dos sistemas agrícolas, diversas métricas podem ser utilizadas. Nesse artigo, analisaremos dois fatores de sustentabilidade, a biocapacidade e os serviços ecossistêmicos, que estão intrinsecamente ligados entre si, e ambos conectados com a produção agrícola.

A biocapacidade é conceituada como a aptidão de os ecossistemas proverem biomassa para utilização humana. Além disso, o conceito abrange a habilidade para absorver os resíduos que são produzidos na geração dos bens e produtos agrícolas, valendo-se da tecnologia mais adequada. Ela é expressa em hectares globais (gha) por pessoa, sendo uma unidade padronizada que representa a produtividade média agregada da agricultura, pastagens, florestas cultivadas, pesca, em âmbito mundial. A média atual da biocapacidade da Terra é de 1,6 gha/pessoa.

Em escala global, a Humanidade está se saindo muito mal na métrica da biocapacidade, de acordo com a ONG Global Footprint Network (GFN), vez que estamos consumindo recursos naturais mais rapidamente do que eles conseguem se regenerar. Ou seja, para produzir no presente estamos sacando a descoberto os recursos futuros da Terra, criando uma enorme dívida ecológica. Em outras palavras, excedendo a biocapacidade do planeta Terra.

As estimativas da biocapacidade são efetuadas pelo programa Ecological Footprint Calculator, através da divisão da biocapacidade teórica do planeta (significando a quantidade de recursos ecológicos que a Terra pode regenerar em um ano) pela pegada ambiental (representada pela quantidade de recursos naturais necessários para sustentar os padrões de consumo da população mundial, no mesmo período).

O dia do juízo final

A pegada ecológica mundial, em 2024, foi calculada em 2,7 gha/pessoa, ou seja, excedemos em 74% a sua biocapacidade. Anualmente, a GFN anuncia o Earth Overshooting Day, o dia do ano em que a biocapacidade foi superada. No primeiro cálculo, em 1972, esse dia caiu em 30 de dezembro, ou seja, operamos no negativo apenas por um dia. Mas, em 2024, a partir do dia 2 de agosto superamos a biocapacidade global e sacamos a descoberto por 152 dias.

Verifica-se que, nos últimos 52 anos, rompemos a perigosa barreira da capacidade de regeneração de recursos naturais cada vez mais cedo. Para ilustrar, em 2024 lançamos mão de recursos que equivalem a 1,74 planetas, 74% acima da capacidade de renovação do único planeta que temos!

Valendo-se dos mesmos princípios, é possível calcular a biocapacidade ou a sobrecarga para um país ou um bloco. Exemplificando, a equipe do prof. Galli publicou na revista Nature uma análise da pegada ecológica da Europa. Sua conclusão é que o continente excede em muito a sua biocapacidade, em termos de emissões e de utilização de terra e de água. Os países europeus com maior déficit de biocapacidade (em %) são Luxemburgo (840), Bélgica (490), Holanda (460), Itália (350), Suíça (250) e Reino Unido (240).

Para exemplificar, se o mundo tivesse o mesmo déficit de biocapacidade de Luxemburgo (840), seriam necessários 8,4 planetas iguais ao nosso, para prover recursos naturais para as atividades humanas – algo impossível na prática.

Agricultura brasileira

A produção agrícola pode gerar diferentes formas de pressão sobre os ecossistemas, incluindo a alteração do uso dos solos, o esgotamento e a poluição da água, a perda de biodiversidade e emissões de gases de efeito estufa.

Entrementes, ao passo que os países da União Europeia exibem déficits de biocapacidade, o Brasil, o quarto maior produtor agrícola do mundo, ostenta um número positivo, pois sua biocapacidade excede a sua pegada ecológica em 219%.

Alvíssaras! A biocapacidade do Brasil é estimada em 9,6 gha/pessoa, e a nossa pegada ecológica (2024) foi de 3,1 gha/pessoa, e isso se deve em grande parte aos profissionais de Agronomia e à boa ciência agronômica que praticamos. Nosso país situa-se em 13º lugar na escala global, sendo o primeiro colocado entre os grandes produtores agrícolas mundiais. A Austrália posiciona-se na 24º colocação, sendo os dois únicos países de importância agrícola no mundo, com superávit de biocapacidade. Todos os demais apresentam uma pegada ecológica que supera a sua capacidade de regeneração. Singapura, por exemplo, excede sua biocapacidade em 6.100%!

Serviços ecossistêmicos

Além da biocapacidade, devemos focar nossa atenção nos serviços ecossistêmicos, aqueles serviços e benefícios obtidos direta ou indiretamente dos ecossistemas, que são essenciais para a produção agrícola. Por essa razão, um dos pilares da ciência agronômica é preservá-los para que sempre possam ser úteis à Humanidade.

Como são parte do nosso cotidiano – e a Natureza os oferece de forma gratuita! – a importância dos serviços ecossistêmicos costuma passar desapercebida para a maioria dos cidadãos. Entrementes, por milênios nos beneficiamos de uma infinidade de serviços ecossistêmicos. Na sua ausência, seguramente a História da civilização teria seguido outro rumo. Por essa razão, a cientista Sandra Diaz e colaboradores os caracterizou como “contribuição da Natureza para os povos”.

Os serviços ecossistêmicos podem ser classificados como:

a) Serviços de apoio ou de habitat: a polinização, a reciclagem de nutrientes e a formação de solo;

b) Serviços de aprovisionamento: oferta de produtos para extrativismo, matérias primas, recursos genéticos, água pura, etc.; e

c) Serviços de regulação: sequestro de carbono, regulação climática, decomposição de resíduos, controle biológico, entre outros.

O grupo científico do prof. Robert Constanza, calculou a contribuição dos serviços ecossistêmicos para a economia mundial, no ano de 2011, que foi estimada entre US$ 125 e 145 trilhões/ano. Atualizando-se os valores para 2023, com base na correção pelo Consumer Price Index dos EUA, situar-se-iam entre US$ 130 e 160 trilhões de dólares/ano, que não são incorporados aos cálculos do PIB. Para o ano de 2023, o Banco Mundial calcula o PIB global em US$ 106 trilhões. Isso demonstra que, além do bem-estar proporcionado, há uma transcendental importância dos serviços ecossistêmicos para a economia mundial.

A agricultura não existiria, tal e qual a conhecemos, sem o suporte dos serviços ecossistêmicos e sem respeitar a biocapacidade. A boa ciência agronômica busca preservar e aproveitar a biocapacidade e os serviços ecossistêmicos, para que possam ser úteis na obtenção de produtos agrícolas, em benefício da sociedade. Usando sistemas de produção sustentáveis, podemos produzir alimentos saudáveis para atender a população, ao tempo em que legamos uma boa herança para as gerações futuras. É o que propugna a Academia Brasileira de Ciência Agronômica e é assim que atuam os engenheiros agrônomos do Brasil.

(*) Os autores são engenheiros agrônomos

By emprezaz

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