Por Lucia Helena Cunha dos Anjos (*)
A evolução da agricultura brasileira, nas últimas décadas, é um dos grandes exemplos de superação baseada em conhecimento científico. O Brasil, antes dependente da importação de alimentos até meados do século XX, superou os desafios impostos pelos solos tropicais, considerados de baixa fertilidade e elevada acidez. Foram décadas de pesquisas e investimentos em tecnologias, manejo adequado do solo, correção de acidez, uso racional de fertilizantes e aprimoramento genético de plantas, aliados a estratégias inovadoras como a fixação biológica do nitrogênio (FBN) em leguminosas. Tais avanços, impulsionados por instituições como Embrapa, Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e Universidades, destacaram o Brasil como importante ator na segurança alimentar global, reconhecido por organismos como a ONU / FAO.
Na década de 90, sistemas de manejo baseados na agricultura conservacionista (AC) tornaram-se comuns no Sul do Brasil. O plantio direto (PD), prática conservacionista originada na Inglaterra e EUA, foi adaptado e ampliado se tornando “sistema de gestão”. O Sistema Plantio Direto – SPD se torna um conceito brasileiro amplamente difundido, base da Agricultura Conservacionista e Regenerativa no Brasil, recebendo neste mês de outubro de 2025, o Reconhecimento Técnico Global da FAO na área de “Gestão de recursos de terra, solo e água para agricultura resiliente e segurança alimentar”.
Hoje, sistemas integrados de Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF, ILP e IPF), com diferentes combinações de produção no mesmo espaço, são outra alternativa para maximizar produtividade, reduzir riscos, conservar água, solo e biodiversidade, e promover resiliência diante das mudanças climáticas.
Na outra ponta, a agroecologia e a agricultura orgânica ganharam espaço, sobretudo entre pequenos produtores, diretamente ligados a mercados que buscam qualidade nutricional e sustentabilidade.
Esses avanços e o sucesso da agricultura brasileira não estão apenas baseados na tecnologia. Eles residem no conhecimento sobre o solo, invisível e fundamental, sob os nossos pés.
Conhecimento sobre os solos tropicais
As decisões na produção agrícola, até mesmo aquelas mais básicas na ciência agronômica, dependem do conhecimento do solo. Muito pioneiros levaram o Brasil a posição de destaque e alguns são apontados a seguir:
Ana Primavesi, professora da UFSM, referência da agroecologia, que propôs olhar holístico e sistêmico para a agricultura, tratando causas de problemas e não apenas sintomas. (https://anamariaprimavesi.com.br/).
Bernardo Van Raij, no IAC, cuja pesquisa revolucionou a compreensão das propriedades eletroquímicas dos solos, permitindo diagnóstico nutricional e recomendações de adubação específicas para os solos do Brasil.
Djalma Martinhão Gomes de Sousa, na Embrapa Cerrados, responsável por pesquisas aplicadas à correção de acidez e adubação fosfatada em solos do Cerrado, fundamentais para o desenvolvimento agrícola da região.
Johanna Döbereiner, Embrapa Agrobiologia, que liderou pesquisas de FBN e possibilitou a produção de soja competitiva e de alto rendimento, baseada em sustentabilidade.
Marcelo Nunes Camargo, Paulo Tito Klinger Jacomine, Raphael David dos Santos, Humberto Santos, da Embrapa Solos, que contribuíram decisivamente para o levantamento e classificação dos solos brasileiros.
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O legado desses e de outros cientistas (vide Sociedade Brasileira de Ciência do Solo – SBCS) se somou ao fortalecimento de programas de pós-graduação de excelência no país (USP/Esalq, UFV, UFLA, UFRGS, UFRRJ, UFSM, UFRPE), além do desenvolvimento de políticas públicas e sistemas de gestão territorial. A própria SBCS, criada em 1947, é uma das mais antigas sociedades científicas, articulando a ciência do solo no Brasil.

Desafios
A despeito do notável avanço, a agricultura brasileira enfrenta desigualdades regionais relacionadas a políticas públicas, estrutura agrária e características dos biomas. Outros desafios estão na redução de práticas que impactam negativamente o meio ambiente, como o desmatamento e as queimadas, para avançar em direção à uma agricultura sustentável.
A pecuária, vital econômica e socialmente, é ainda majoritária no Brasil e no Cerrado, mais da metade das terras agrícolas são pastagens. Porém, cerca de 50% encontram-se degradadas, com baixa cobertura, compactação, erosão e queda de produtividade. Para superar esse quadro, o governo federal lançou o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuária e Florestal Sustentáveis, que visa recuperar pastagens improdutivas e transformá-las em sistemas agrícolas e florestais sustentáveis – ação fundamental para conservar biodiversidade, reduzir desmatamento e cumprir compromissos ambientais (Plano ABC+, Caminho Verde Brasil).
Conclusões
O planejamento e gestão territorial sustentável dependem do conhecimento da diversidade e distribuição dos solos. Levantamentos, em escalas de municípios e microbacias hidrográficas, para conhecer o solo em suas múltiplas funções e serviços ecossistêmicos, são essenciais para subsidiar políticas de uso do solo, mitigar os efeitos de catástrofes ambientais (secas, inundações, incêndios) e preparar o país para enfrentar extremos climáticos. Sem esse saber, a capacidade de atuação preventiva e de adaptação perde força.
Em síntese, a sustentabilidade da agropecuária brasileira exige investimentos contínuos em pesquisa, ensino e extensão. Tornar a Ciência do Solo visível e valorizada em políticas de Estado é condição para que os solos do presente sustentem as safras do futuro, garantindo segurança alimentar e qualidade de vida para as gerações seguintes.
(*) engenheira agrônoma, professora titular da UFRRJ, ex-presidente da SBCS.
Colaboraram: Pedro Luiz de Freitas, pesquisador Embrapa Solos; Marcos Gervasio Pereira, professor UFRRJ