Por Cybelle Pereira Rodrigues (*)
A Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30, que acontecerá em novembro em Belém/PA, traz ao centro do debate global um tema urgente e inadiável: a sobrevivência humana diante da crise climática. Embora muitas vezes discutida sob uma ótica econômica ou ambiental, a mudança do clima é, antes de tudo, uma questão de saúde pública.
A relação entre o clima, o ambiente e a saúde das pessoas é profunda e inescapável, e precisa ser amplamente compreendida e considerada nas tomadas de decisão. É nesse cenário que os conceitos de saúde planetária e o papel estratégico da medicina de família e comunidade ganham destaque.
Eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas, enchentes e incêndios florestais, não apenas colocam vidas em risco imediato, mas também agravam doenças respiratórias, cardiovasculares, infecciosas e de saúde mental. Além disso, a insegurança alimentar e hídrica gerada pela degradação ambiental compromete a nutrição e o bem-estar de populações inteiras.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que as mudanças climáticas poderão causar 250 mil mortes adicionais por ano até 2030. O impacto é ainda maior entre os mais pobres, crianças, idosos e populações vulnerabilizadas, uma evidência de que o colapso ambiental aprofundará as desigualdades em saúde.
Nesse contexto, surge o conceito de saúde planetária, que reconhece que a saúde humana depende da integridade dos sistemas naturais. Em outras palavras: não existe saúde humana sem um planeta saudável.
A saúde planetária nos convida a repensar nossos sistemas de produção, consumo e ocupação do território. O modelo atual de desenvolvimento, baseado na exploração ilimitada dos recursos naturais, é insustentável. Precisamos de políticas públicas integradas, que articulem saúde, meio ambiente, educação e justiça social exatamente o tipo de discussão que se espera da COP30.
Em meio a esse panorama, a Medicina de Família e Comunidade (MFC) ocupa um papel central. Presente nos territórios, atuando diretamente com as comunidades, o médico de família e comunidade é um elo entre a saúde individual, coletiva e ambiental. Por estarem em contato direto com a população, os profissionais da MFC podem atuar como agentes de transformação social, promovendo justiça climática e fortalecendo a capacidade adaptativa dos sistemas de saúde diante das mudanças globais.
A realização da COP30 em território amazônico é simbólica e estratégica. A Amazônia é não apenas um bioma, mas um sistema vital para o equilíbrio climático global, além de abrigar comunidades tradicionais e indígenas que há séculos praticam uma relação sustentável com a natureza. Ouvi-las e protegê-las é preservar também a saúde do planeta.
Para garantir um futuro habitável, é preciso cuidar da Terra como cuidamos uns dos outros. E talvez esse seja o maior aprendizado da crise climática: não há saúde individual possível num planeta doente.
(*) médica de família e comunidade, diretora da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Mestre em Educação Médica pelo Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA). Docente do internato em Medicina de Família e Comunidade pela Universidade Federal do Pará.

