Redação Planeta Amazônia
As ocorrências de tragédias climáticas como a que atinge o Rio Grande do Sul e outros registros de eventos ao redor do mundo, têm assombrado o mundo e exigindo ações emergenciais. Por isso, um grupo de cientistas e ativistas que está participando das audiências públicas que a Corte Interamericana de Direitos Humanos realiza esta semana em Manaus, defende medidas para desacelerar o avanço do aquecimento global, que é a causa dos eventos climáticos extremos. Eles pedem que a Corte inclua no Parecer Consultivo em elaboração, sobre a relação entre direitos humanos e a emergência climática, o foco nos gases de vida curta – que foram recentemente incorporados pelo Planeta Call to Action for Climate Change Resiliente, resultante do encontro promovido na semana passada pela Pontifícia Academia de Ciências com o Papa Francisco.
Embora a principal causa da elevação da temperatura do planeta seja o gás carbônico – motivo pelo qual a grande maioria dos acordos, compromissos e iniciativas tem como foco o CO2 – ele sobrevive 100 anos na atmosfera. Ou seja: ainda que conseguíssemos parar agora todas as emissões de gás carbônico, o que já está na atmosfera continua agindo. Porém, ele não é o único gás que causa o efeito estufa. Existe todo um grupo de gases que desaparecem da atmosfera em menos de 30 anos. Alguns deles, como o metano, têm um poder de aquecimento 80 vezes maior que o gás carbônico.
A redução desses superpoluentes climáticos de curta duração pode evitar quase quatro vezes mais aquecimento até 2050 do que as estratégias baseadas apenas no carbono. Isso pode ser feito concentrando as ações em três setores econômicos que mais emitem esses gases: a produção de energia, principalmente petróleo e gás, agricultura e resíduos, ou seja, lixo. Já existem tecnologias economicamente viáveis para reduzir essas emissões em 45% até 2030 (em comparação com os níveis normais em 2030), para atingir quase 0,3°C de aquecimento evitado até 2040.
“É fundamental reduzir a taxa de aquecimento no curto prazo para evitar impactos catastróficos e violações massivas dos direitos humanos e isso exige uma ação imediata e focada”, alerta Romina Picolotti, presidente do CEDHA e consultora sênior para assuntos de mudanças climáticas do IGSD. “Hoje a única forma de abrandar a taxa de aquecimento no curto prazo é abordar os gases de vida curta, além do CO2. Ainda podemos salvar tudo e não deixar ninguém para trás”” completa. Romina lembra que o Tribunal Interamericano tem uma oportunidade extraordinária para orientar os Estados sobre as ações necessárias para construir resiliência e prevenir violações massivas dos direitos humanos.
Os Pareceres Consultivos da Corte Interamericana são obrigatórios. Nos casos em que são alegadas violações da Convenção Americana de Direitos Humanos, os tribunais nacionais são obrigados a utilizar os pareceres consultivos do tribunal para interpretar a convenção. Além de um caso específico, o Parecer Consultivo da Corte tem grande influência nas políticas públicas e na legislação. Isso ocorre porque a Corte Interamericana desenvolveu o que é chamado de controle de convencionalidade pelo qual todo aparelho de poder público é sempre obrigado a aplicar as normas de origem interna de forma que sejam compatíveis com a Convenção Americana e com as Opiniões Consultivas da Corte.
A recente tragédia no Sul do Brasil mostrou a dimensão humana – para as atuais e futuras gerações – inerente ao desafio de lidar com as consequências da emergência climática. A proliferação de secas, enchentes, deslizamentos e incêndios, entre outros, enfatizam a necessidade de responder de maneira urgente e efetiva.
“Nesse sentido, os direitos humanos não apenas fornecem uma perspectiva necessária para avaliar as consequências da emergência, mas também oferecem ferramentas fundamentais para buscar soluções oportunas, justas, equitativas e sustentáveis em relação à mesma”, diz o documento no qual Colômbia e Chile pediram a avaliação. As obrigações de direitos humanos podem fornecer um guia fundamental para acelerar as respostas efetivas de maneira justa, equitativa e sustentável.
A natureza interligada das alterações climáticas e dos direitos humanos torna-se evidente à medida que testemunhamos os efeitos adversos em várias dimensões da vida humana. A ciência diz que estamos saindo rapidamente do corredor da vida, ou seja, do espectro de condições climáticas que alimentaram a civilização. Em outras palavras: a mudança do clima representa uma ameaça existencial para a humanidade.
Importância para o Brasil e a América Latina
O Quinto Relatório de Avaliação do IPCC indica que os limitados recursos hídricos causadores do retrocesso dos glaciares nos Andes e a alteração dos ciclos de precipitações regionais poderiam afetar a população em grande medida. Além disso, um aumento do nível do mar e o incremento da temperatura da água na superfície terão um impacto nas comunidades costeiras, no fornecimento de água e nas economias de toda a região. Isso pode afetar de maneira desproporcional as nações costeiras e insulares da bacia do Caribe.
A região dos Andes se encontra entre as zonas mais sensíveis do mundo a migrações e deslocamentos associados à mudança climática. Na Colômbia, um aumento de temperatura maior do que 1,5°C resultará no incremento da intensidade e frequência de temperaturas extremas, tormentas, inundações, deslizamentos de terra e ondas de calor. A floresta Amazônica, um dos depósitos mais extensos de biodiversidade do mundo, que abriga 40% das florestas tropicais ainda existentes no mundo e 25% da biodiversidade terrestre, vê a sua existência ameaçada. Além disso, se a tendência de desmatamento amazônico continuar e ultrapassar o ponto de inflexão, haverá impactos devastadores para a regulação das chuvas. Adicionalmente, esta mudança não apenas teria efeitos devastadores para nossa região mas também em âmbito mundial, na medida em que poderia contribuir com o efeito de aquecimento extremo da terra.
Entre outros impactos, considera-se na região andina um aumento entre 100-200% de pessoas afetadas por inundações, uma maior transmissão de enfermidades como malária, dengue e Chikungunya, efeitos negativos de até 85% na fauna e flora da região, a diminuição de colheitas em função de secas cada vez mais frequentes, a redução de agricultura em virtude da elevação de temperatura e a redução de pesca derivada da acidificação do oceano. Isso, de acordo com o IPCC é, sem dúvida, uma causa que aumentará a mobilidade humana mundial, pois nos dias de hoje há evidências de que isso está ocorrendo. Esse deslocamento terá impactos diferenciados sobre as populações em situação de maior vulnerabilidade, incluindo as populações costeiras e os habitantes de ilhas, povos indígenas, comunidades afrodescendentes, camponeses, entre outros.
Ademais, os efeitos adversos da mudança climática serão sentidos com mais força nos setores da população que já se encontram em situações de vulnerabilidade devido a fatores como o efeito nos lugares onde vivem – zonas costeiras ou rurais -, a pobreza, o gênero, a idade, o pertencimento a povos indígenas, a raça ou origem étnica, a origem nacional, a condição de migrante, entre outras. Por exemplo, o Relator das Nações Unidas sobre Migração, em um relatório de julho deste ano, destacou que 80% das pessoas deslocadas em função de fenômenos relacionados com o clima são mulheres e crianças. Além disso, os efeitos adversos da mudança climática estão exacerbando a migração com impactos diferenciados para os povos indígenas e as comunidades afrodescendentes. Isso confirma a necessidade de adoção de um enfoque interseccional nesta matéria.
Para os países que solicitaram a avaliação, estas evidências comprovam o vínculo estreito entre a emergência climática e a violação de direitos humanos. As normas em matéria de direitos humanos podem contribuir para acelerar as respostas à emergência climática, promovendo políticas para dar cumprimento às obrigações de respeito e garantia por parte de diversos atores-chave. Debater este tema perante uma Corte regional permite abordar não apenas as obrigações nacionais ou regionais, mas também, aquelas vinculadas à cooperação internacional e as obrigações compartilhadas, mas diferenciadas, a partir de uma perspectiva de direitos humanos.
As audiências da Corte Interamericana de Direitos Humanos seguem até quarta-feira (29).