Redação Planeta Amazônia
“É preciso entender que a dinâmica da Amazônia mudou. Nós temos hoje a forte instalação do crime organizado na região e ele tem três pés: a grilagem de terras está ligada ao garimpo ilegal de ouro e ao tráfico de armas e drogas. Esses três pontos precisam estar no foco das agências de controle do País. Caso contrário, teremos áreas dominadas pelo crime organizado”, alertou Paulo Moutinho, pesquisador sênior do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), durante webinar “Emergência Climática: Tribunais de Contas e Indução das Políticas Públicas Ambientais”. O evento foi promovido pela Associação dos Tribunais de Contas, Instituto Rui Barbosa e Tribunal de Contas do Amazonas.
A floresta amazônica estoca mais de 100 bilhões de toneladas de carbono, o equivalente a uma década de emissões globais. A biodiversidade e os serviços ecossistêmicos desempenhados pela Amazônia, no entanto, se encontram ameaçados pelo aumento da grilagem de terras e outras atividades ilegais, como o garimpo e o corte irregular de madeira.

“Nós estamos vivendo uma emergência climática induzida por seres humanos. Não há mais dúvida disso. Mas se essa crise é criada por humanos, significa que podemos reverter esse cenário. Reduzimos o desmatamento e isso é excelente, mas é como se tivéssemos reduzido a velocidade de um carro sem mudar o seu destino. Nesse sentido, os entes reguladores do Estado precisam avaliar o rumo em que o uso do dinheiro público está nos apontando”, destacou Paulo.
O evento também contou com a participação de pesquisadores, ambientalistas e representantes dos tribunais de contas de Estados da Amazônia Legal, que reforçaram a importância da preservação da Amazônia para a garantia da segurança alimentar, abastecimento hídrico e produção de alimentos no Brasil. Também foi ressaltado o papel do judiciário brasileiro no rastreamento de recursos e no combate aos crimes ambientais na região amazônica.
“Na COP de Glasgow todos os países falaram que não podíamos passar da marca de 1,5°C [acima dos níveis pré-industriais] em 2050. A ciência indicava que para isso precisávamos zerar nosso saldo de emissões até 2050. No ritmo que estamos hoje, vamos chegar em 2050 com 2,5°C acima. Isso pode disparar uma grande quantidade de pontos de não retorno pelo mundo. Para a Amazônia isso significaria uma degradação de 70% de toda a floresta, a maior perda de biodiversidade do planeta e o surgimento de diversas novas doenças”, reforçou Carlos Nobre, climatologista e um dos maiores especialistas em mudanças climáticas e desmatamento do país.
Florestas públicas não destinadas
As florestas públicas não destinadas localizadas na Amazônia são terras de domínio dos governos estaduais ou federal que aguardam pela destinação para uma categoria fundiária. Hoje essa categoria equivale 56,6 milhões de hectares do bioma, mesma área da Espanha. Apesar de sua importância estratégica, as florestas públicas não destinadas têm sofrido cada vez mais com a grilagem e o uso irregular do Cadastro Ambiental Rural, que intensificam o desmatamento nessas áreas.

Uma pesquisa do IPAM revela que, entre 2019 e 2021, mais da metade (51%) do desmatamento ocorreu em terras públicas, sendo as florestas públicas não destinadas as mais atingidas: tiveram alta de 85% na área desmatada, passando de 1.743 km² derrubados anualmente para mais de 3.228 km². A maior parte dessa área está concentrada na parte sul do Amazonas e oeste do Pará, onde a fronteira agrícola e a grande quantidade de áreas sem destinação tem deixado fauna, flora e populações tradicionais em risco.
“Metade do que se desmata na Amazônia é em terra pública. É em terra que pertence ao povo brasileiro. Isso é o mesmo que destruir um monumento histórico. É um bem público que foi dilapidado. Precisamos destinar essas florestas para a conservação e o uso sustentável. Caso contrário, a grilagem vai continuar a se proliferar sem controle por essa área”, ressaltou Moutinho.
Desmatamento Legal
Atualmente, segundo o Código Florestal Brasileiro, 20% das propriedades rurais localizadas na Amazônia podem ser desmatadas legalmente. Apesar de representar a menor parte das propriedades no bioma, o desmate autorizado dessas áreas ainda representa o mesmo risco que o corte ilegal em outras áreas do bioma, colocando em risco uma grande parcela da floresta e contribuindo para sua degradação.
“Nós temos 20 milhões de hectares que podem ser desmatados legalmente. Nós precisamos reduzir o desmatamento legal. Não tirando o direito do proprietário rural, mas criando mecanismos de compensação para que ele mantenha essas florestas de pé. Também é preciso investir em agricultura e na intensificação da produção agropecuária para que possamos produzir mais em menos espaço”, defendeu Moutinho.
O Conserv é um mecanismo financeiro, de adesão voluntária, que compensa produtores rurais pela conservação da vegetação nativa dentro de suas propriedades que poderia ser desmatada legalmente.
Atualmente, o programa é responsável por evitar a emissão de 2,2 milhões de toneladas de CO₂. No total, a iniciativa engloba 23 propriedades que, juntas, superam os 20 mil hectares de florestas nativas protegidas que poderiam ser suprimidas legalmente.