Por Iêda Carvalho Mendes (*)
Todo solo saudável é produtivo, mas nem todo solo produtivo é saudável. Isso porque a saúde do solo vai além da produção de grãos, carne, fibras ou energia: envolve a capacidade de infiltrar e armazenar água, sequestrar carbono, ciclar nutrientes, degradar pesticidas e sustentar uma diversidade biológica que conecta solos, plantas, animais, pessoas e ambientes saudáveis.
Até recentemente, agricultores tinham acesso apenas a análises químicas e físicas de rotina do solo (nutrientes, acidez, matéria orgânica, textura). Faltava o componente biológico — a base da saúde do solo. Quanto mais biologia, mais vida, e mais saudável é o solo. Após mais de duas décadas de pesquisa, a Embrapa lançou em 2020 a Tecnologia de Bioanálise de Solo (BioAS), pioneira no mundo ao incluir a atividade das enzimas arilsulfatase e β-glicosidase como bioindicadores sensíveis da saúde do solo. Com a BioAS, o Brasil se tornou o primeiro país do mundo a incorporar, nas análises de rotina de solo, dois indicadores biológicos. Essas enzimas bioindicadoras são mais sensíveis do que os teores de matéria orgânica para detectar as mudanças que ocorrem no solo em função da adoção de diferentes práticas de manejo. Assim, elas funcionam como “ecossensores”, revelando alterações precoces no funcionamento biológico antes que ocorram perdas de matéria orgânica, permitindo intervenções preventivas ou corretivas.
Por estarem associadas a todos os componentes biológicos do solo (microrganismos, plantas e fauna), a arilsulfatase e a β-glicosidase refletem o funcionamento da maquinaria biológica do solo, especialmente no que se refere à ciclagem de nutrientes. Ao serem analisadas em conjunto com os teores de matéria orgânica, considerando-se a textura do solo, os níveis de atividade dessas enzimas nos permitem classificar o solo em quatro diferentes condições de saúde: saudável, adoecendo, doente e em recuperação.
Essa classificação oferece ao agricultor um diagnóstico claro e prático, orientando suas decisões de manejo:
• Solo saudável (alta atividade enzimática e altos teores de matéria orgânica): sinal de que o manejo está no caminho certo.
• Solo adoecendo (baixa atividade enzimática e altos teores de matéria orgânica): alerta de que o componente biológico está comprometido, exigindo medidas rápidas para evitar perdas de matéria orgânica.
• Solo doente (baixa atividade enzimática e baixos teores de matéria orgânica): diagnóstico de que as práticas de manejo estão inadequadas e que mudanças urgentes são necessárias.
• Solo em recuperação (alta atividade enzimática e baixos teores de matéria orgânica): sinal de que as práticas adotadas estão surtindo efeito e devem ser mantidas para promover a recuperação da saúde do solo.
A BioAS mostra que monitorar a saúde do solo pode ser simples e acessível (custo médio de R$170,00), transformando conhecimento técnico em informações práticas para o agricultor, orientando decisões de manejo mais sustentáveis e eficientes.
Ao empoderar o engenheiro agrônomo, a BioAS reforça a percepção da importância de solos saudáveis para a manutenção de lavouras produtivas, e representa um desafio para os agrônomos e técnicos do setor rural, pois muitas vezes exigirá uma reavaliação das práticas de manejo adotadas na propriedade agrícola e soluções customizadas, específicas para cada fazenda.
Além do diagnóstico em nível de propriedade, a Embrapa estruturou a Rede BioAS (Link), com 33 laboratórios comerciais conectados à plataforma digital Módulo de Interpretação da Qualidade do Solo (MIQS). O Brasil já reúne o maior banco de dados de saúde do solo do mundo, com mais de 57 mil amostras analisadas, provenientes de 27 estados, totalmente rastreáveis. Os resultados mostram que 58% dos solos analisados são saudáveis, 8% estão “em recuperação”, enquanto 21% estão adoecendo, 9% encontram-se num estágio transicional (intermediário) e apenas 4% são classificados como doentes.

Essa base inédita tem permitido mapear a saúde do solo no território nacional, e auxiliará na definição de estratégias de manejo sustentável e políticas públicas de conservação. Em 2025, o Brasil dará mais um passo pioneiro com o lançamento da Plataforma Saúde do Solo BR, durante a COP30 (Link). De acesso público, ela reunirá informações biológicas, químicas e físicas em mapas interativos por município, consolidando o país na vanguarda global do monitoramento da saúde do solo.
A BioAS inaugura uma nova forma de enxergar e manejar os solos, indo além da química e incorporando o funcionamento biológico. Mais do que um diagnóstico da saúde do solo, a BioAS orienta o uso racional de insumos e incentiva práticas de manejo sustentáveis. Assim, contribui para uma agricultura mais resiliente às mudanças climáticas, de baixo carbono e alinhada à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
Ao transformar ciência em ação, a BioAS consolida o Brasil na vanguarda mundial do monitoramento da saúde do solo e aponta o caminho para sistemas alimentares mais saudáveis, produtivos e sustentáveis.
(*) A autora é engenheira agrônoma, pesquisadora da Embrapa Cerrados (Planaltina DF) e membra titular da Academia Brasileira de Ciência Agronômica – ABCA.