Drama do Rio Grande do Sul acende alerta sobre emergências climáticas no Brasil

Cassandra Castro

A tragédia climática que atinge o Rio Grande do Sul mostra a face cruel da somatória de diversos fatores que colaboraram para a invasão avassaladora das águas sobre as cidades gaúchas. Até o momento, dos 497 municípios do estado, 452 foram atingidos pelas chuvas e inundações. De acordo com dados da Defesa Civil, já são 149 mortos e 108 desaparecidos. O desastre afetou mais de 2 milhões e 100 mil pessoas. O número de desalojados é de aproximadamente, 540 mil e deste total, quase 77 mil estão em abrigos. Até o momento, mais de 77 mil pessoas foram resgatadas. Os trabalhos de resgate também salvaram mais de 11 mil animais.

Um homem ajuda na limpeza de uma casa parcialmente destruída após enchente em Muçum, no Rio Grande do Sul/foto: Adriano Machado_REUTERS

As particularidades geográficas do Rio Grande do Sul  aliadas a condições meteorológicas como intensidade das chuvas e direção do vento tornam o processo de descida das águas ainda mais demorado e prolonga também a aflição dos que vivem em áreas de risco. 

A assistente administrativa Márcia Maciel é amazonense, mas mora em Porto Alegre há 15 anos. Ela mora na região central da cidade e vive na pele o drama da calamidade. Márcia conta que foi afetada de forma direta, perdeu itens eletrônicos devido às quedas de energia registradas durante as chuvas e enchentes. Mesmo não tendo o apartamento tomado pelas águas, ela relata que ao redor, o cenário era desolador: águas voltando dos bueiros, ruas alagadas, pessoas não acreditando no que viam.

Márcia conta que está ajudando o sobrinho e a família dele a reconstruírem a vida, já que perderam tudo. Os parentes dela são de Eldorado do Sul, cidade devastada pela tragédia. Em meio a tanta dor e perdas, é difícil conseguir vislumbrar um futuro. “ Não conseguem vislumbrar a respeito de danos, o que vai ter que ser feito, o que vai ser gasto, porque a água não baixou”, afirma.

Em meio à tragédia, Márcia faz um desabafo: “ O emocional fica totalmente abalado, saúde mental não existe, ver o sofrimento de quem perdeu tudo, pessoas próximas, as pessoas não querendo abandonar as casas por medo de saques, é um cenário de guerra”.

Mesmo com tanta tristeza e perdas, a amazonense destaca a resiliência do povo gaúcho. “ O povo gaúcho é muito forte, tem força para reconstrução, não dá o braço a torcer para o que tá acontecendo”. A ajuda em meio à catástrofe, veio primeiro do povo. “ Foi uma corrente rápida de união e solidariedade”.

Nessa mobilização para ajudar as pessoas, Márcia também faz a sua parte. Ela ajuda a entregar marmitas, recolher mantimentos, roupas, cestas básicas e fala sobre uma lição que tira desta tragédia: Somente unidas as pessoas vão chegar a algum lugar e será necessária uma mobilização muito grande para ajudar na reconstrução do Rio Grande do Sul.

Vivendo um dia de cada vez

O drama do avanço das águas virou uma realidade dura para o analista de Sistemas Rodrigo Zuany. Ele mora há 5 anos em Porto Alegre e relata que desde o dia 3 de maio, a enchente foi ganhando mais e mais a casa da sogra, no bairro Sarandi, na zona norte da capital gaúcha. Mesmo com a ajuda de vizinhos, a família perdeu praticamente tudo para a inundação. 

Impossibilitados de voltar para o bairro, Rodrigo e familiares estão em uma casa que foi disponibilizada por parentes. “ Estamos indo atrás de ajuda, de rancho, material de higiene pessoal, estão distribuindo, amparando todo mundo”, conta. Em meio às ocorrências de saques e também ao que a água levou, ele não tem ideia se vai salvar alguma coisa. “ Estamos pedindo ajuda por meio de vaquinha online, pix, vivendo um dia de cada vez, esperando a chuva passar para decidir o que fazer”.

Os desafios da reconstrução

A tragédia climática que assola o Rio Grande do Sul não vai trazer reflexos apenas para o estado que irá enfrentar o desafio gigantesco de se reinventar. Ela traz impactos para a economia do país. É o que afirma o professor de economia do Ibmec Brasília, Renan Silva. Mesmo sendo ainda muito difícil mensurar a amplitude das perdas e prejuízos advindos das inundações, o Rio Grande do Sul representa ⅓ do PIB da região sul e também representa algo em torno de 6,1 por cento do PIB nacional. “ Isso ( a tragédia ambiental) realmente deve contribuir para uma certa retração, uma retração marginal do PIB total, talvez na ordem de 0,2 a 0,3 por cento no todo”, destaca o professor.

Renan Silva disse que, além das medidas anunciadas pelo governo federal, o governo do Rio Grande do Sul deve tomar outras ações. “ Acredito que o estado vá buscar algumas linhas de crédito junto ao BID, onde as taxas são subsidiadas para promover a reconstrução , nos moldes da segunda guerra mundial.  Eu acredito que deva se criar um fundo emergencial, o próprio estado deve criar nos moldes dos fundos soberanos como uma reserva para investimentos futuros de grande monta, de obras grandes de infraestrutura,  como também, para que possa suprir equipes de resgate, de salvamento nesses momentos, para que o estado continue tendo essa pujança que ele tem em termos de produtividade”.

Lula e ministros em reunião com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, para discutir reconstrução do estado/foto: Maurício Tonetto_ Secom

Na quarta-feira (15), o presidente Lula e comitiva foram ao Rio Grande do Sul anunciar novas medidas para atender aos atingidos pelas chuvas, dentre elas, o pagamento de parcela única no valor de R$ 5,1 mil para todos que perderam itens em decorrência da enchente e o adiantamento do pagamento do Bolsa Famílias para 21 mil famílias, além da liberação de parcelas adicionais do seguro-desemprego para quem estava recebendo o benefício.

Mais do que o socorro emergencial para salvar vidas e garantir recursos para a reconstrução das áreas atingidas, o Rio Grande do Sul precisa rever as políticas ambientais e colocar em prática ações que garantam um melhor preparo do estado diante de novas ocorrências climáticas. 

Um levantamento do Centro Brasil no Clima (CBC) revela que apenas 3 dos 27 estados brasileiros têm planos de adaptação climática atualizados. A maioria sequer conta com um plano estruturado, enquanto outros precisam de atualização ou complementação. Dos 8 fundos estaduais para financiar as questões voltadas às mudanças, apenas 5 funcionam.

Uma análise crítica do que houve, do que deu errado e medidas efetivas para prevenção e mitigação devem ser parte das lições que o estado e também o Brasil, devem aprender.

By emprezaz

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