Cassandra Castro
Redação Planeta Amazônia – Uma tragédia anunciada. As imagens de crianças e adultos subnutridos que vivem na Terra Indígena Yanomami, na localidade Surucucu, no estado de Roraima, mostram a face mais cruel de anos de apelos ignorados e uma espécie de “ cegueira” voluntária por parte do poder público brasileiro. O socorro emergencial providenciado pelo governo federal minimiza os efeitos mais aterradores do drama yanomami, com o atendimento médico direcionado às famílias com casos de desnutrição e doenças, além de outras providências tomadas com a declaração de emergência de saúde pública no território yanomami feita pelo Ministério da Saúde.
A situação não precisava chegar a esse ponto, pelo menos, não na visão de especialistas que trabalham com a questão indígena no Brasil. Para o coordenador da Licenciatura Indígena: Política Educacional e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal do Amazonas, Nelcioney Araújo, ela é resultado não só do descaso e da conivência, mas também da pressão política que defende o garimpo em terras indígenas. “Várias associações indígenas e ONGs já tinham alertado sobre a situação de abandono dos yanomami. O Estado brasileiro e seus agentes são os principais responsáveis por esta situação”, comenta o professor. Ele também ressalta que também aconteceram cortes de verbas em instituições e órgãos essenciais para a defesa e preservação dessas comunidades como a Funai e o Ibama.
A ameaça crescente de exploração ilegal de garimpeiros é apontada por associações indígenas, organizações não governamentais e estudiosos como o maior obstáculo para garantir a segurança e a sobrevivência dos povos indígenas, não só no norte do Brasil, mas em outras regiões que também são objeto da ação predatória de garimpeiros. A grande pergunta é: tem como eliminar este tipo de exploração? Na opinião do professor Nelcioney é um problema muito complexo. “É difícil uma solução pois a “ maldição dos recursos naturais” atrai investidores nacionais e internacionais. Além do mais, a existência de conivência de agentes públicos dificulta o monitoramento das T.Is ( terras indígenas)”.
Para outro estudioso do povo yanomami, o antropólogo Luiz Davi Vieira, as ações de políticas públicas para atender os povos que vivem em pontos mais remotos do Brasil, como é o caso dos yanomami, não são implementadas com regularidade pelo governo brasileiro e no caso dos últimos 4 anos, essa realidade ficou ainda mais evidente. “ No governo Bolsonaro houve uma negligência do poder público sobre essa realidade tanto é que, no caso dos yanomami, foram protocolados 21 pedidos de ajuda humanitária e nenhum foi atendido”, relata.
Luiz Vieira é diretor do Instituto de Pesquisa Tabihuni que desenvolve entre outras atividades, pesquisas teóricas e práticas que buscam valorizar e propor diálogo com os povos indígenas, ribeirinhos e tradicionais da Amazônia. O pesquisador analisa esta questão da crise de saúde e humanitária desencadeada em Roraima como algo que envolve muitas variáveis. Ele explica que o crescimento do garimpo em terras indígenas vai, aos poucos, degradando os recursos naturais das áreas, consequentemente a alimentação tradicional dos indígenas vai acabando e aparece como um fator que também influencia na sobrevivência dos povos.
Na opinião do especialista, o descaso do poder público se dá por vários motivos, um deles seria o difícil acesso a essas regiões remotas e isso é colocado como barreira para a não realização de programas de ajuda, de fomento, de incentivo à manutenção e prática da cultura desses povos que estão em locais remotos”.
Em relação à ação predatória do garimpo em terras indígenas, o pesquisador aponta o diálogo e o combate à prática ilegal como solução. “ É uma esperança que todos nós que trabalhamos com os indígenas, a questão indigenista no Brasil que esse garimpo seja combatido porque ele degrada, mata, silencia”.
Na cultura dos povos indígenas, a destruição dos rios, da floresta, da fauna e flora é, na verdade, a destruição de todos, indígenas ou não indígenas. Matar a natureza com todos os seus elementos é uma perda não só material, mas também imaterial, espiritual, explica o especialista.