Texto de Leuziene Lopes, Maria Eluziane Pereira, Priscila Viudes e Ronicleiton Santos*
“Essa agrofloresta vai beneficiar meus filhos e netos. E ainda estou contribuindo para aumentar as áreas de floresta na Amazônia, melhorar o ar que anda poluído e a qualidade do solo. Sem contar os animais, que sem floresta vão entrando em extinção”, explica o agricultor familiar Ailson Guerra.
A experiência dele e da esposa, Ivonete de Jesus Guerra, é um bom exemplo da aptidão do cacau no desenvolvimento econômico e social de povos da Amazônia, integrando a restauração e conservação da biodiversidade local e a mitigação de impactos causados pelas mudanças climáticas.
Proprietários de um sítio de 12 hectares no município de Itapuã do Oeste, Rondônia, em 2017 o casal precisava recuperar uma área de Reserva Legal de cerca de três hectares para adequar o imóvel rural às leis ambientais. Isso porque a lei diz que todo produtor rural deve destinar parte de suas terras para a preservação ambiental, reflorestando esta área.
Os custos de um projeto de regularização ambiental e a impossibilidade de poder utilizar a área para lavoura impactariam as finanças de Ailson, sua família e de outros agricultores familiares. A solução veio com o plantio do cacau. Além da cultura ter alto valor econômico, é nativo da região Amazônica e pode integrar projetos de reflorestamento de áreas de Reserva Legal, de acordo com o Programa de Regularização Ambiental (PRA), previsto no Novo Código Florestal Brasileiro. A área de reserva em propriedades rurais de agricultura familiar pode ter até 80% de mudas de cacau em arranjos de Sistemas Agroflorestais (SAFs).Os outros 20% devem ser de espécies florestais para promover a diversidade biológica da agrofloresta.
Em 3,5 hectares, o casal de agricultores familiares plantaram os pés de cacau intercalados com árvores nativas da Amazônia como sucupira, cumaru, ipê, rambutã e castanha e já estão colhendo os frutos.
“Em 2021 eu colhi a primeira safra de cacau. Foram quase 15 arrobas de amêndoas e consegui ter um lucro de cerca de R$ 5 mil. Como este ano os pés já estão totalmente formados, minha expectativa é tirar mais de R$ 12 mil de lucro do cacau. E a tendência é a colheita só aumentar pelos próximos 8 anos, período que os pés chegam na produção máxima e se estabilizam”, explica Ailson Guerra, ao destacar que cacau é uma cultura para ser colhida por décadas.
O cacau como estratégia da conservação ambiental
De acordo com o MapBiomas, o Brasil conta com 66,8% de cobertura vegetal nativa e ao menos 9,3% de vegetação secundária – áreas desmatadas e convertidas em outros tipos de usos humanos. De modo geral, a perda da cobertura vegetal está associada ao uso agropecuário do solo, que ocupou mais de 90% dos espaços que incluem floresta, savana, campos e mangue, de 1985 a 2019. Mais da metade da perda de vegetação nativa brasileira ocorreu na região amazônica.
Segundo o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), na conta global das mudanças climáticas, o desmatamento e as queimadas representam uma importante fonte de emissões de gases de efeito estufa (GEEs) no mundo, depois da queima de combustíveis fósseis. E, no Brasil, o desmatamento ilegal e as queimadas representam a principal fonte das emissões, o que faz da Amazônia a principal região emissora de GEEs, atrás de estados como São Paulo e Rio de Janeiro, polos industriais do país.
“Neste sentido, o reflorestamento de parte das áreas destinadas à Reserva legal e Preservação Permanente em Sistemas Agroflorestais, torna viável a adesão dos agricultores e agricultoras familiares às políticas públicas brasileiras de reflorestamento de áreas degradadas, pois permite aliar a conservação ambiental no combate às mudanças climáticas, a produção de alimentos e geração de renda para essas famílias”, explica Alexis Bastos, geógrafo, pós-doutor em Dinâmicas de Carbono em Solos Tropicais e integrante da organização ambiental Rioterra, que desenvolve projetos de apoio à agricultura familiar em Rondônia através do reflorestamento das áreas degradadas em arranjos agroflorestais.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) destaca algumas práticas sustentáveis de manejo florestal na América Latina em combate ao desmatamento e na direção da restauração do solo, dentre elas a experiência de agricultores da Amazônia Oriental com as plantações de cacau, cupuaçu e açaí, por vezes combinadas e de alto valor comercial. Além do seu forte valor econômico na produção do tão amado e consumido chocolate, o cacau tem sido a aposta para conter os efeitos climáticos já visíveis na região. Além de ser altamente sustentável, garante renda para as famílias extrativistas, indígenas e agricultores da região.
Mais sobre o cacau nos Sistemas Agroflorestais (SAFs)
Sistemas produtivos são pensados para atuarem de forma bem parecida aos ecossistemas naturais. Os Sistemas Agroflorestais, os conhecidos SAFs, são um conjunto de estratégias de recuperação que podem ajudar a eliminar ou minimizar fatores de degradação ambiental, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), por meio de publicação no site oficial. Os benefícios dos SAFs são muitos, podendo apresentar ainda mais com a cultura do cacau por se tratar de uma planta nativa da região.
Os SAFs com cacau podem ajudar no balanço hídrico, ao controlar a quantidade de água que entra e sai numa certa porção de solo e em um determinado intervalo de tempo, aumentando a capacidade de absorção, reduzem o risco de erosão e ainda ajudam no controle da proliferação de plantas invasoras. Esse processo também estimula a atividade biológica, incluindo todas as reações metabólicas celulares com a ciclagem de nutrientes, suas interações e seus processos bioquímicos mediados ou conduzidos pelos organismos do solo. Ou seja, o sistema agroflorestal com cacau também facilita a compostagem dos materiais orgânicos no solo.
O resultado final é a sustentabilidade do sistema produtivo de longo prazo, no caso do cacau, e que pode representar relação mais harmoniosa com a natureza, como um todo. Esse tipo de sistema apresenta variadas funções ao possibilitar desde a recuperação de áreas degradadas, passando pela manutenção da fauna local, até chegar na produção de alimentos e geração de renda.
Cacau na história das primeiras civilizações
Nativo da região amazônica, – que abrange nove países: Brasil, Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia – o cacau era consumido há mais de 5,5 mil anos, segundo pesquisa publicada na revista científica Nature Ecology & Evolution, em 2013. Ao contrário do que se pensa, o fruto já estava sendo consumido há 1.500 anos antes por povos que viviam na parte superior da bacia amazônica, entre os Andes, no sudeste do Equador, diz Michael Blake, um dos autores do estudo.
Conhecido por alguns povos como o fruto de ouro, o cacau está presente na história de grandes civilizações, sendo de importância na cadeia alimentar, econômica, na religiosidade e, hoje, tem se tornando um aliado na conservação ambiental de áreas degradadas em decorrência do desmatamento na região da Amazônia legal brasileira, como demonstra a experiência do casal Ailson e Ivonete em Rondônia.
*Este conteúdo foi produzido com apoio do programa Jornalismo e Território, da Énois Laboratório de Jornalismo. Para saber mais, acesse www.enoisconteudo.com.br ou @enoisconteudo nas redes sociais.