Estudo inédito faz diagnóstico socioambiental e econômico de população indígena Paíter Suruí, de Rondônia

Redação Planeta Amazônia

A reNature – consultoria que apoia produtores agrícolas e empresas na transição para a agricultura regenerativa e a Tewá 225 – empresa de impacto positivo que traz soluções para os desafios socioambientais das empresas, organizações e governos – executaram um estudo inédito no Brasil sobre a Terra Indígena Sete de Setembro, pertencente ao povo Paíter Suruí (que em tupi-mondé significa “gente de verdade” ou “povo verdadeiro”), localizada na cidade de Cacoal (RO).
 

O objetivo do estudo é apresentar um diagnóstico socioambiental e econômico do território, considerando as transformações ocorridas diante de um cenário complexo dos últimos anos (pandemia de Covid-19, aumento do desmatamento devido ao garimpo e ao arrendamento de terras para produtores não indígenas) e as oportunidades para a implementação de um programa de desenvolvimento baseado no empreendedorismo regenerativo, pautado na autonomia e soberania do povo Paiter Suruí e no resgate do seu modo de vida e produção tradicionais.
 

Reunião com as lideranças na TI Sete de Setembro/foto: Acervo Tewá 225

O levantamento foi realizado pela reNature, com execução técnica da Tewá 225 e apoio da COOPSUR (Cooperativa Suruí De Desenvolvimento e Produção Agroflorestal Sustentável), através do “Programa de Empreendedorismo Regional Regenerativo” (RREP, em inglês), idealizado e implementado pela reNature no Brasil.
 

“O objetivo do Programa de Empreendedorismo Regional Regenerativo é fortalecer o ecossistema do agronegócio que impulsiona o empreendedorismo e a agregação de valor locais, através do fortalecimento do tecido social e da soberania das populações tradicionais, atraindo investimentos e oportunidades de financiamento para sistemas de produção regenerativos que respeitam e resgatam os modos de vida tradicionais”, explica Fabiana Munhoz, consultora sênior de projetos da reNature.
 

Um dos destaques do relatório é a aplicação inédita da metodologia TAPE (Instrumento para Avaliação de Desempenho da Agroecologia) da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) no estudo com povos indígenas. Também é a primeira vez que essa metodologia é aplicada no Brasil.
 

Visão geral sobre os Suruís
 

Com mais de uma década sem dados sobre a população indígena Paíter Suruí, que abrangesse aspectos econômicos, sociais e ambientais, o estudo coletou dados primários, secundários, escutas com grupos focais, visitas de campo com perspectiva etnográfica, aplicação do processo de CLPI (consentimento, livre, prévio e informado), além de entrevistas e aplicação de questionários com representantes de mais de 10 aldeias, entre lideranças, 50 produtores, mulheres, jovens e com o próprio cacicado geral.
 

O povo Paíter Suruí é composto por clãs, aldeias e um cacique geral com uma população de aproximadamente 1.900 pessoas atualmente, segundo as lideranças do território. Número muito inferior aos mais de 5 mil indígenas residentes na TI, antes do contato com não indígenas em 1969.
 

De acordo com a pesquisa, o povo Paíter vive hoje uma realidade desafiadora com relação às suas tradições e estruturas de governança originais. Segundo o estudo, essas transformações estão relacionadas à aproximação da cultura tradicional com a cultura capitalista e cristã, como o aumento da influência das igrejas neopentecostais Batista e Assembleia de Deus no território, que acarretou na diminuição da pajelança dentro do povo.
 

Mulheres da Aldeia Gamir em atividade de grupo focal/foto: Acervo Tewá 225

Uma das novidades mostradas pela pesquisa é a mudança nos modelos de governança do território. Em 2022, foi instituída pela primeira vez a eleição do Cacique Geral via voto direto.
 

“O Chefe maior era escolhido entre os chefes de clãs. Após o contato com não indígena, com abertura de várias aldeias em torno do limite da terra, surgiram novos caciques, que naturalmente foram chefes de famílias grandes. Hoje, saindo um pouco da tradição, há quem se autodeclara cacique por querer ser reconhecido como tal. Mas, ainda sim, continua a transmissão de cacicado de forma hereditária”, conta Uraan, Vice-Cacique geral do povo Paiter Suruí.
 

O povo Paiter Suruí também experimenta uma visibilidade em âmbito nacional e internacional, graças a algumas figuras-chave, como o Cacique Geral Almir Suruí e sua filha Txai Suruí. Segundo o estudo, essa visibilidade tem se mostrado importante neste momento em que as agendas climáticas estão reivindicando cada vez mais o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas como protetores das florestas.
 

Aspectos ambientais e sociais
 

De acordo com o estudo, houve um aumento expressivo no desmatamento na TI Sete de Setembro em 2021, resultando em um desmatamento total acumulado de cerca de 8.724 hectares, ou 3,5% do total da área demarcada. Os dados coletados convergem com o crescimento da taxa de desmatamento de regiões da Amazônia Legal Brasileira nos últimos anos. De acordo com o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), apenas em Rondônia, entre os anos de 2020 e 2021, o aumento no desmatamento foi de 32,1%. A publicação aponta que esse crescimento na TI e no estado, especialmente em 2021, pode estar relacionado a publicação da Instrução Normativa Conjunta nº11, editada pelo governo Jair Bolsonaro que flexibilizou o licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades no interior de terras indígenas.
 

Produção de cacau na TI Sete de Setembro/foto:Acervo Tewá 225

A pesquisa identificou a produção agropecuária como o principal meio de geração de renda dos Suruí, com destaque para o café (produzido por 94% dos produtores), banana (92%), cacau (78%) e castanha do Brasil (74%).
 

Através dos dados analisados pela metodologia TAPE, observou-se que os indígenas não utilizam tantos insumos agrícolas ou químicos nos processos produtivos. Ainda assim, as práticas tradicionais são lentamente substituídas pela produção utilizando métodos não indígenas. Segundo o estudo, os Suruí apresentam baixa média de produção regenerativa (abaixo de 40%). Eles estão produzindo principalmente como não-indígenas, usando práticas de monocultura e insumos externos. Isto leva a uma perda de cooperação e sinergia entre as aldeias e as diversas formas originais de produção, que sempre estiveram integradas com a floresta.
 

Café produzido na TI Sete de Setembro/foto:Acervo Tewá 225

Segundo a publicação, a prática monocultural (produção de uma única espécie) seria uma “herança” dos colonos e inicialmente incentivada pela FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), mas há atualmente intenções de retomada das práticas tradicionais dos Suruí de cultivo integrado e diversificado, o que é convergente com os princípios da Agroecologia e da Economia Regenerativa.
 

“Especialmente agora com os avanços da crise climática, a Amazônia Legal Brasileira têm sido o foco de inúmeros governos que buscam maneiras de compensar os danos ambientais causados ao planeta. É muito importante o incentivo desses órgãos públicos, da iniciativa privada e de terceiro setor, com projetos que trabalhem a agricultura e pecuária a partir da regeneração ambiental na TI Sete de Setembro. Isso contribui para a geração de uma renda diversificada para a população indígena de baixo impacto ambiental”, aponta Luciana Sonck, mestra em planejamento territorial, especialista em governança e sócia-fundadora, CEO da Tewá 225 e coordenadora executiva do estudo.
 

Nos aspectos sociais, o estudo aponta para cerca de 20 escolas com ensino fundamental e médio na TI, dado este que diverge do recente número do INEP (2022) que indica apenas 8 unidades de ensino. Entretanto, o estudo nessas unidades não apresenta diferenciação para a cultura indígena, quando deveria.
 

Atividade para a construção do diagnóstico territorial na TI Sete de Setembro/foto: Acervo Tewá 225

O estudo aponta como a falta de educação financeira intensifica as pressões sofridas pelo povo por parte de mineradoras, madeireiras e pecuaristas não indígenas. Os indígenas que produzem e vendem a colheita legalmente não sabem economizar e investir seu dinheiro, aumentando sua situação de vulnerabilidade econômica. Uma vez endividados, estes produtores indígenas tornam-se alvo para os exploradores em busca de terras ou recursos do território.
 

A pesquisa evidencia também a deficiência no acesso do povo Paíter Suruí aos serviços de saneamento básico, que devem ser oferecidos pelo governo. De acordo com relatos de campo, hoje a TI Sete de Setembro não conta com coleta de lixo, sendo a opção da queima priorizada pelas aldeias. A captação de água se dá por poços e/ou nascentes, com baixa fiscalização quanto à sua qualidade para o consumo humano. Devido às atividades ilegais de garimpo, a contaminação gradativa das águas na TI passa a se tornar outro ponto de atenção.
 

O relatório aponta que não são garantidos ao povo Paiter Suruí todos os direitos sociais básicos do estado brasileiro e a oferta que existe não é considerada satisfatória pelos indígenas.
 

Empreendedorismo Suruí
 

O povo Paíter Suruí possui forte veia empreendedora, o que se confirma no estudo da Tewá 225 e reNature. Segundo a publicação, o empreendedorismo na Terra Indígena Sete de Setembro, tem em sua maioria algum aspecto relacionado à agenda ambiental como: a restauração e o manejo adequado de áreas florestais, proteção da biodiversidade ou a manutenção de serviços ecossistêmicos. Dentre esses, são destacados projetos de regeneração, reflorestamento e geração de renda a partir da preservação ambiental.
 

Além disso, tem ganhado força nos últimos anos no território, a organização do povo Paíter Suruí em torno da geração de renda a partir da integração da produção agrícola, artesanato e turismo. No território foram identificadas mais de 20 associações, 4 cooperativas para produção e consumo, 3 centros culturais e 2 institutos.
 

Entrega do relatório final para os Paiter Suruí foi realizada com a presença da reNature, Tewá 225, Coopsur, Funai, Prefeitura de Cacoal e outras atores importantes para o território/foto:Lakapoy Filmes

Entre as organizações não indígenas que atuam no território, destaca-se uma aproximação de entidades governamentais entre 2012 e 2023, especialmente com foco na capacitação para a produção rural e assistência técnica, como por exemplo o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), PF (Polícia Federal), PMC (Prefeitura Municipal de Cacoal), EMATER (Entidade Autárquica de Assistência Técnica e Extensão Rural) e SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).
 

Entre os parceiros comerciais, destaca-se a empresa cafeeira Três Corações, que atualmente é o único comprador estabelecido do café produzido pelos Paiter. O preço de venda do café segue o que é praticado no mercado local de Rondônia, com a possibilidade de pagamento de um preço prêmio de até 100%, em função da qualidade do café fornecido. Entretanto, os produtores reforçaram a importância de estabelecer outros parceiros comerciais.
 

Jovens suruís na Aldeia Gamir, na TI Sete de Setembro/foto: Acervo Tewá 225

“A importância desse estudo inédito é que ele contribui para compreendermos os impactos de mais de uma década de transformações sociais, políticas e ambientais e como elas refletiram sobre o povo Paiter Suruí e permite apontar caminhos para o desenvolvimento de uma economia local regenerativa que gera renda para a população ao mesmo tempo que valoriza seu modo de vida tradicional”, comenta Fabiana Munhoz, consultora sênior de projetos da reNature.
 

A partir das informações geradas pelo estudo, a reNature irá cocriar, em parceria com a COOPSUR, organizações indígenas e parceiros não indígenas que atuam no território, os planos de negócios regenerativos, visando alavancar a produção agrícola e agregação de valor no território. Para isso, serão realizadas mentorias técnicas sobre práticas de agricultura regenerativa e a implementação de áreas demonstrativas junto aos produtores indígenas, que permitirão disseminar o conhecimento e demonstrar a eficiência da aplicação de tais práticas.
 

A força dos Paiter Suruí em se aliar e fomentar parcerias significativas, assim como sua característica empreendedora, é vista no estudo como base para a integração de projetos que possam gerar renda para a comunidade e, com isso, alcançar os objetivos almejados pelos jovens, mulheres e produtores que foram ouvidos durante essa pesquisa.
 

Os pilares para um desenvolvimento sustentável na TI Sete de Setembro passam pela consciência e necessidade de proteção da biodiversidade local. Com isso, através dos planos de negócios regenerativos, os cooperados Suruí podem, além de incluir novas técnicas de cultivo e práticas agroecológicas baseadas no saber ancestral, atuarem como multiplicadores de conhecimento e estimular novos produtores a adotarem as mesmas práticas, fortalecendo iniciativas de agricultura regenerativa na Amazônia Legal Brasileira.

 Para ler o estudo completo, acesse o link.

By emprezaz

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