Redação Planeta Amazônia
Um estudo inédito realizado pela ONU Mulheres em parceria com a Prefeitura Municipal de Belém e desenvolvido pela consultoria Tewá 225 revelou que as mulheres da capital paraense dedicam, em média, 11,7 horas diárias ao trabalho de cuidado — somando atividades remuneradas e não remuneradas, como o cuidado com crianças, idosos e pessoas com deficiência.
O levantamento integra o projeto Ver-O-Cuidado, iniciado em 2022, e é o primeiro diagnóstico municipal no Brasil sobre os impactos econômicos do cuidado. Os resultados evidenciam que esse trabalho invisível é uma das principais barreiras para o avanço da igualdade de gênero e do desenvolvimento social no país.
Segundo Fernanda Mallak, coordenadora do estudo e diretora técnica da Tewá 225, “com a proximidade da COP30 em Belém, entender essa dinâmica nos territórios amazônicos — com suas particularidades de clima, infraestrutura, acesso à renda e à educação — é fundamental para enfrentar as desigualdades que recaem sobre as mulheres.”
Realidade complexa e múltiplas jornadas
Dos 166 participantes da pesquisa, a maioria são mulheres negras (78,1%), entre 30 e 44 anos, com renda entre 1 e 3 salários mínimos. Cerca de 58,9% enfrentam múltiplas jornadas, sendo muitas vezes as principais responsáveis pelo sustento familiar — sobretudo entre mães e mulheres negras.
A jornada de cuidado pode chegar a 17,5 horas por dia, especialmente entre aquelas que conciliam trabalho formal e cuidado não remunerado. As atividades incluem cuidar de crianças (58,4%), idosos (40,8%) e PCDs (37,5%), sem qualquer reconhecimento trabalhista.
A precariedade dos serviços públicos agrava a situação. Mais de 80% das participantes avaliam como insuficientes os serviços de cuidado em Belém. A infraestrutura é considerada inadequada por 82,9%, e o atendimento insatisfatório por 76,7%. A falta de acessibilidade é denunciada por 74,4% das entrevistadas, com destaque para regiões periféricas e comunidades em ilhas, como Icoaraci, Terra Firme e Cabanagem.
Saberes tradicionais e justiça climática
O estudo também destaca a importância dos saberes tradicionais de mulheres ribeirinhas, indígenas e quilombolas na prática do cuidado. Essas lideranças reforçam que o cuidado vai além de ações técnicas: envolve espiritualidade, redes de apoio e proteção territorial.
“O impacto da crise ambiental é direto na dinâmica do cuidado. Enchentes, secas e eventos extremos aumentam a pressão sobre as mulheres, que continuam como principais cuidadoras. A pandemia da COVID-19 só intensificou essa sobrecarga”, afirma Mallak.
Caminho para políticas públicas
Com base no diagnóstico, o projeto prevê a criação de um piloto para o Sistema Municipal de Cuidados, reconhecendo saberes tradicionais e melhorando o atendimento em áreas vulneráveis. Para a ONU Mulheres, ouvir os diferentes contextos vividos pelas mulheres — considerando raça, etnia e território — é essencial para construir políticas inclusivas e eficazes.
O projeto Ver-O-Cuidado, desenvolvido entre 2022 e 2025 com apoio da Open Society Foundations, pretende fortalecer as capacidades institucionais e valorizar o trabalho das cuidadoras, remuneradas ou não. A COP30, que será sediada em Belém, é vista como uma oportunidade para colocar o cuidado no centro das discussões sobre justiça climática e sustentabilidade.