Redação Planeta Amazônia
A “Oficina de Planejamento Estratégico do Conselho Consultivo e Núcleo Gestor da Aliança para o Desenvolvimento Sustentável do Sul do Amazonas (ADSSA)”, realizada em Manaus (AM), semana passada, trouxe à tona os desafios sobre a proteção de territórios e populações tradicionais. O evento reuniu organizações da sociedade civil, poder público, iniciativa privada e terceiro setor, com o objetivo de alinhar estratégias para 2025, avaliar ações do biênio 2023-2024 e fortalecer a governança ambiental no Sul do Amazonas, uma das regiões mais ameaçadas ambientalmente do Estado.
A iniciativa foi promovida pela ADSSA, rede que, desde 2017, conecta diferentes partes em busca de um avanço sustentável na região. Ao longo de dois dias, a oficina destacou a importância de enfrentar questões como o desmatamento, a exploração ilegal de madeira e a grilagem de terras, que ameaçam tanto a biodiversidade quanto às populações tradicionais.
“O objetivo foi fazer uma avaliação do contexto, compreendendo os desafios e, a partir disso, formular propostas de intervenção para que este continue sendo um espaço de interlocução e debate político”, afirmou Márcia Cunha Pinheiro, secretária executiva da ADSSA.
Além de parceiros dos grandes centros urbanos, a oficina reuniu representantes de povos e comunidades tradicionais, indígenas, ribeirinhas e extrativistas.
Um deles foi José Roberto, que mora em Pauini (a 1.054 quilômetros de Manaus). Como presidente da Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Município de Pauini (ATRAMP), recentemente eleito como vereador do município de Pauini, na legislatura 2025/2028, ele enfatiza a importância da oficina para levar políticas públicas ao interior do estado, sobretudo no tocante à regularização fundiária e direito sobre o território.
“Esta oficina é estratégica para que nós, junto aos demais municípios, observemos o que foi construído ao longo de 2023-2024, bem como façamos uma progressão do que queremos dentro do que é discutido: desenvolvimento sustentável e produtivo. Oportunidade para dialogarmos com os representantes do Governo Federal, que sentam, ouvem as nossas demandas e pensam nas políticas públicas”, destaca.
Avaliação e contextualização
O primeiro dia da oficina, na última quinta-feira (23/01), foi dedicado a um balanço das ações da ADSSA e à análise do cenário ambiental e social no Sul do Amazonas. Os participantes foram divididos em três Grupos Temáticos (GTs), que abordaram as temáticas sociobioeconomia (produção e extrativismo), regularização ambiental e fundiária, e desmatamento e queimadas.
A região do Sul do Amazonas compreende 10 municípios: Apuí, Boca do Acre, Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré, Maués, Novo Aripuanã, Pauini e Tapauá. Esses territórios enfrentam problemas graves como desmatamento, exploração ilegal de madeira, incêndios florestais e grilagem de terras, que impactam diretamente populações tradicionais, incluindo indígenas, ribeirinhos e quilombolas.
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontam que, de janeiro a setembro do ano passado, o Amazonas registrou mais de 21,6 mil focos de calor (queimadas). Os municípios de Apuí e Lábrea, integrantes da região, ocupam a quinta e sexta colocações no ranking de queimadas na Amazônia Legal, com 4,3 mil e 4 mil focos, respectivamente.
Outro problema destacado foi a grilagem de terras, que está frequentemente associada a fraudes cartoriais, estelionato e lavagem de dinheiro. Em 2024, a Polícia Federal deflagrou operações para combater essas práticas nos municípios da região.
Dione Torquato, secretário-geral do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e um dos organizadores do evento, destacou que a governança ambiental e a participação social são fundamentais para enfrentar essas questões.
“O Sul do Amazonas está em uma área de fronteira com o chamado ‘arco do desmatamento’, onde se concentra o avanço do agronegócio. A região também enfrenta conflitos territoriais motivados pela grilagem de terras. Por essas razões, entendemos que é preciso fortalecer a governança ambiental e a participação social para monitorarmos o avanço de políticas públicas”, explicou Torquato, que também é membro da ADSSA.
Propostas de intervenção
O segundo dia da oficina, na sexta-feira (24/1), focou em projetos em andamento e novas propostas de intervenção. Pela manhã, discutiram-se os Planos de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas Ilegais (PPCDQ’s) e do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), além do programa “União com Municípios”, liderados pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
Marcelo Trevisan, diretor do Departamento de Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente (MMA), destacou os desafios para implementar essas agendas.
“Os planos são fundamentais porque dão um norte sobre como operar contra o desmatamento, mas o grande desafio é a implementação. Como torná-los uma agenda operacional?”, questionou Trevisan. Entre os obstáculos estão a alta demanda dentro dos órgãos ambientais, a falta de clareza nas atribuições e a complexidade técnica exigida.
Já o programa “União com Municípios”, lançado em abril do ano passado como estratégia de implementação do PPCDAm, garante investimentos para municípios que tenham interesse em promover o desenvolvimento sustentável e combater o desmatamento na Amazônia Legal. Inicialmente, 70 municípios da Amazônia Legal foram listados, dos quais 48 indicaram adesão. Atualmente, o número de municípios prioritários é de 81.
“A destinação de terras públicas, não apenas na região Sul do Amazonas, mas em toda a Amazônia Legal também é relevante. Estamos atuando para fazer uma regularização fundiária que dê conta do direito territorial de povos e comunidades tradicionais, bem como reconhecer as ocupações de ‘boa fé’ de posseiros, que possam ter seus territórios protegidos e reconhecidos”, comenta Trevisan.
“Nós não podemos negar que a Amazônia é muito rica em recursos ativos, seja ela a madeira, a terra, a água e os minérios. Há tempos esses recursos são atraídos e tornam as áreas como de interesse de desenvolvimento econômico. Porém, da mesma forma que há problemas, há um esforço muito grande do Governo em levar alternativas para esse problema. […]. Em tese, nós projetamos que, a curto prazo, elas surtam efeito e os problemas sejam amenizados na região”, complementa o diretor do MMA.
Quem também apresentou propostas foi o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), com foco na concessão de floresta. Já a Secretaria do Meio Ambiente do Amazonas (SEMA-AM) abordou estratégias para fiscalizar o Cadastro Ambiental Rural para Povos e Comunidades Tradicionais (CAR-PCT) e o Programa de Regularização Ambiental (PRA).
Enquanto isso, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Amazonas (SEDECTI-AM) mostrou o andamento do Plano Estadual de Bioeconomia, que propõe a integração entre desenvolvimento e sustentabilidade.
“Tivemos a honra de nos reunir com diferentes representantes que apresentaram suas visões para enriquecer nosso planejamento. O debate não se esgota aqui, pois a urgência que o Sul do Amazonas pede não pode ser ignorada”, finaliza Márcia Pinheiro, secretária executiva da ADSSA.
Participantes
Algumas das organizações que participaram do evento foram o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS); Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Município de Pauini (ATRAMP); Coletivo Jovens Comunidades do Sul do Amazonas (JOCSAM); as secretarias de Estado de Meio Ambiente (SEMA) e Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (SEDECTI); Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM); Instituto Internacional do Brasil (IEB), Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (IDESAM); Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA); Serviço Florestal Brasileiro (SFB); Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces); GIZ Brasil; WWF Brasil e outros.
Sobre a ADSSA
A Aliança para o Desenvolvimento Sustentável do Sul do Amazonas (ADSSA) é uma rede de voluntários que envolve instituições governamentais, não-governamentais e iniciativa privada, operando como um espaço de debate apartidário, sem identidade jurídica e sem fins lucrativos. A ADSSA trabalha na promoção do desenvolvimento socioeconômico aliado à conservação da natureza da região sul do Estado do Amazonas e foi criada em 2016/2017, por meio de discussões do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e Municípios Sustentáveis do Amazonas. Ela articula organizações e governos locais em 10 municípios da região: Apuí, Boca do Acre, Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré, Maués, Novo Aripuanã, Pauini e Tapauá. A ADSSA articula junto com diversos parceiros locais e com projetos e atividades com incidência no território, diálogos diversos que influenciam diretamente na vida dos parceiros e povos habitantes da região.