Redação Planeta Amazônia
A partir desta segunda-feira, dia 13 de novembro, até sexta-feira, dia 17 novembro, mais de 250 pessoas participarão do VI Congresso Nacional das Populações Extrativistas, em Brasília, com o objetivo de debater temas importantes para quem vive e protege as florestas. Metade da delegação é composta por mulheres extrativistas de todos os estados da Amazônia.
O evento é uma realização do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), que completou 38 anos em outubro. O movimento criado por Chico Mendes e seus companheiros seringueiros, em 1985, é um exemplo de luta e resistência pela proteção de territórios e defesa dos Povos da Floresta. Entre tantos nomes que marcam a história do CNS, o legado e o protagonismo das mulheres no movimento segue fortalecendo a luta em defesa da floresta viva.
A paridade de gênero no CNS se constitui como um valor organizacional, uma prova de que o movimento reconhece a importância da participação das mulheres, de igual para igual, nas lutas históricas e presentes das comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas e extrativistas, principalmente do bioma amazônico.
Na visão da vice-presidenta do CNS, Maria do Socorro Teixeira Lima, o significado de ocupar um cargo na liderança do movimento veio da luta das mulheres extrativistas.
“Nós enfrentamos vários entraves ao longo dos anos, em grande parte pelo fato natural de sermos mulheres. Então, a possibilidade de uma ‘mulher extrativista’ no movimento não era algo bem visto, inicialmente. Mas nunca deixamos que isso nos impedisse de somar à luta, pois a ideia não era estar à frente dos homens e sim ter a licença de defender a floresta e, sobretudo, a vida humana. Nunca houve desavenças sobre isso, do contrário, o espírito de união nos manteve fortes até hoje. Só depois de décadas, conquistamos a paridade de gênero no movimento, mas já havíamos aberto o caminho muito antes”, enfatiza.
Nomes que fazem a história
O Iº Encontro Nacional dos Seringueiros foi realizado em 17 de outubro de 1985, onde mais de 100 seringueiros se reuniram na Universidade de Brasília (UnB). Quem organizou o evento foi Mary Helena Allegretti, antropóloga e apoiadora dos ideais de Chico Mendes. Assim como ele, Mary acreditava no valor inestimável da floresta em pé, indo contra a lógica de desmatamento da Amazônia.
Antes disso, em 1981, ela ajudou a fundar o “Projeto Seringueiro” para alfabetização de adultos na floresta. Outras duas conquistas dessa união são as Reservas Extrativistas (RESEXs) e o Instituto de Estudos Amazônicos (IEA).
Mas a história extrativista pela Amazônia reúne muitos outros nomes. Um deles é o de Raimunda Gomes da Silva, nascida em Bacabal, no Maranhão, e que foi a primeira secretária de Mulheres do movimento. Homenageada com o Prêmio Cidadania Brasileira, em 1988, a “Raimunda dos Cocos” ocupou capas de jornal, protagonizou filmes e foi cofundadora da Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio (Asmubip), e do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB). Ainda que seus conhecimentos escolares fossem poucos, isso não a impediu de ser a porta-voz de quase meio milhão de mulheres rurais Extrativistas e Quebradeiras de Coco Babaçu.
Nise Machado é a atual secretária de Mulheres do CNS e reconhecida como referência na luta negra e quilombola. Quebradeira de Coco nos babaçuais do município de Penalva (MA), ela é uma das responsáveis pela mobilização e criação das primeiras associações da região. É por meio dessas associações que o povo de Nice resiste contra a violência agrária, que tenta expulsar famílias Quilombolas de seus territórios.
“Tenho mais de 40 anos de movimento. É quebrando cocos que eu traço minha trajetória de resistência, a partir dos saberes da territorialidade que ouvi do meu pai, avó, bisavô, tio, meu tio lutador, entre outros. Sou uma mulher negra, quilombola e cantora na luta pelas comunidades da floresta”, destacou.
A atual secretária da mulher da Confederação das Reservas Extrativistas Marinhas (CONFREM) é Célia Regina das Neves, outro ícone da luta do CNS. Iniciou sua militância no Conselho em 2003 e assumiu oficialmente a suplência do líder extrativista Pedro Ramos, em 2007. Defensora ferrenha das Comunidades Extrativistas, ela protagonizou várias denúncias em sua longa trajetória de lutas, inclusive contra empresas de créditos de carbono e seus projetos de Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+), por conta da falta de transparência no diálogo com as comunidades das Reservas Extrativistas (RESEXs) do Estado do Pará.
Com uma vida ligada à floresta e cuidadora de seu esposo doente, Valdiza Alencar decidiu se juntar a outras famílias ameaçadas para resistir à expulsão da sua terra acreana. Reconhecida como a “Mulher do Sindicato”, foi uma das principais apoiadoras do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, o primeiro da região, em 1975. A dedicação de Valdiza contribuiu significativamente na luta pacífica contra o desmatamento e a expulsão das famílias.
Em 2023, o cargo de vice-presidenta do CNS é ocupado por Maria do Socorro Teixeira Lima, liderança sindical desde os anos 80 e presidenta da Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio (ASMUBIP), em Tocantins. Filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT) desde 1993, Maria é reivindicadora dos direitos das Quebradeiras de Coco, tais como incentivos para produção agroecológica e políticas públicas de compra de produtos da agricultura familiar.
Embora apenas duas mulheres tenham sido vice-presidentas do CNS, Edel Nazaré de Moraes Tenório (2012– 2015/2015–2019) e Maria do Socorro Teixeira Lima (2019–2023), a expectativa da diretoria é que as portas sigam se abrindo para um maior protagonismo feminino.
Atualmente, uma das principais porta-vozes é a secretária de Juventude, Letícia Moraes. Nascida no berço da luta extrativista, ela tem como principais pautas coletivas a justiça social, ambiental e climática. Para ela, a juventude da floresta possui uma identidade – a extrativista – e a luta não pode parar.
“Nós, as juventudes extrativistas, nascemos com a responsabilidade de guardar um legado de luta, luto, resistência, conquista e esperanças, o território é a raiz deste legado. Mas não podemos nos esquecer dos nossos desafios diários, já que nascemos em um ambiente em que permanecer nas nossas casas com os nossos modos de vida é desafiador pela ausência de garantia de direitos aglutinadores à garantia do território como educação, saúde, produção, saneamento, comunicação, esporte e lazer, e que tais políticas sejam construídas para nós e conosco, de acordo com as nossas necessidades. Por isso, lutamos e reafirmamos a continuidade dessa luta”, destaca Letícia.
VI Congresso Nacional do CNS
Em celebração aos 38 anos de legado, o CNS realizou uma live no canal do YouTube Xapuri Socioambiental. O encontro virtual marcou o início dos preparativos para o “VI Congresso Nacional do CNS”, que acontece de 13 e 17 de novembro, na Universidade de Brasília (UnB).
A expectativa é reunir mais de 250 participantes, entre eles pesquisadores, políticos e ativistas que atuam na luta permanente pela Amazônia viva, consolidação dos territórios, políticas públicas e sustentabilidade no uso dos recursos sustentáveis, além de extrativistas de diversas partes do país.
A vice-presidente do CNS e Quebradeira de Coco Maria do Socorro Teixeira Lima reforça que o foco do congresso será as mulheres. “Passaram-se 38 anos. Nossa resistência já conquistou muitas coisas, acompanhadas do suor das lideranças femininas. O Congresso será uma oportunidade imensa para discutirmos tudo isso e prepararmos as novas gerações”.