O Dilema do Prisioneiro nas Políticas de Crédito: Reflexões sobre o Plano Brasil Soberano

Por Vitória Altfuldisck Soares (*) e João Gabriel de Araujo Oliveira (**)

O Plano Brasil Soberano, anunciado pelo governo em 13 de agosto de 2025 surgiu como uma resposta imediata ao “tarifaço” estadunidense sobre as exportações brasileiras, de modo que, o pacote prevê 30 bilhões de reais em crédito, sendo um reforço de garantias públicas e incentivos fiscais com o objetivo de dar aporte para as empresas que foram diretamente atingidas pela medida norte-americana, evitando que os setores estratégicos perpetuem um efeito dominó de larga escala. Contudo, das perguntas necessárias a serem feitas são: estamos apenas jogando para ganhar tempo? Ou estamos estimulando um comportamento empresarial que pode aumentar o risco de endividamento estrutural?

Na essência, a teoria dos jogos trata das decisões estratégicas entre jogadores que antecipam possíveis escolhas uns dos outros, no caso em análise, os principais atores são o governo e as empresas exportadoras. Assim, o governo oferece crédito barato e garantias, com a expectativa de que as empresas mantenham empregos e uma forte competividade. Por outro lado, as empresas precisam decidir se recorrem a esse crédito para expandir e enfrentar a concorrência, ou se adotam uma postura conservadora, preservando o caixa e reduzindo riscos.

Nesse sentido, esse cenário têm características muito próximas ao que é definido pelo “dilema do prisioneiro”, no qual, cada jogador tem a opção de cooperar ou se abster no interrogatório. Dessa forma, se todos cooperarem, há a materialização do resultado intermediário, em que ambos são penalizados mas individualmente não possuem a menor pena. Com isso, no caso do plano, se as empresas optassem pela prudência, poderiam enfrentar a crise com menor risco de insolvência futura. Não obstante, diante da tentação do crédito facilitado, a tendência é que assumam dívidas adicionais, tendo como resultado agregado uma economia mais alavancada e, portanto, mais vulnerável.

A situação se agrava ainda mais porque não se trata de uma partida única, mas de um jogo repetido, uma vez que, o histórico brasileiro mostra que, em crise, o Estado costuma socorrer setores produtivos com linhas de crédito e garantias. Essa repetição cria expectativas: se hoje há um plano de resgate, amanhã haverá outro e, assim, as empresas ajustam sua estratégia de longo prazo, incorporando a dependência do Estado como parte do cálculo racional, como se o governo tivesse se tornado um jogador previsível, e previsibilidade, em teoria dos jogos, pode ser uma fraqueza explorada pelos demais.

Sob essa ótica, o risco é cair em um equilíbrio de Nash frágil, de modo que cada empresa, agindo de forma racional e individual, escolhe se endividar porque não quer perder espaço para as concorrentes, o governo, por sua vez, segue oferecendo socorro pois não quer arcar com o custo político e social da falência em massa. No final, todos permanecem presos em uma dinâmica que não maximiza o ganho coletivo e, neste caso, direciona-se para um equilíbrio estável, mas precário, sustentando-se à base de endividamento crescente e de expectativas de intervenção contínua.

Assim, o Plano Brasil Soberano, embora apresentado como uma medida emergencial, mantém a lógica vigente e oferece um alívio imediato, sem promover mudanças estruturais nos incentivos que influenciam o comportamento das empresas. Embora contribua para mitigar a crise no curto prazo, não necessariamente assegura avanços duradouros em termos de soberania. Caso o acesso ao crédito fosse vinculado a investimentos em inovação, diversificação de mercados ou estratégias de sustentabilidade, as empresas poderiam ser estimuladas a buscar maior eficiência e resiliência, promovendo ganhos de longo prazo além do aproveitamento das linhas de financiamento disponíveis.

Em médio e longo prazo, o crédito facilitado, aliado a um cenários de juros mais elevados, pode aumentar significativamente o endividamento corporativo, fazendo com que muitas empresas assumam dívidas hoje, a fim de preservar a competitividade, contudo, podem acabar comprometidas no futuro se as exportações para os Estados Unidos não se recuperarem ou se a diversificação de mercados não ocorrer de fato. Em outras palavras: o plano evita a queda agora, mas empurra o risco adiante. O governo precisa ir além da defesa: é necessário uma mudança no jogo para que a estratégia racional das empresas seja também sustentável para o país. Portanto, o Plano Brasil Soberano, se não for acompanhado de reformas estruturais, pode cristalizar um equilíbrio econômico instável, prolongando a partida em um tabuleiro que continua desfavorável.

(*) Vice-presidente Adjunta do CORECON-DF Acadêmico no Ibmec-DF

(**) Doutor em Economia (Universidade de Brasília)

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