O Patinho Feio da Política Econômica

(*) William Baghdassarian

Uma das mais relevantes distorções do setor público no Brasil está relacionada à governança do Governo Federal, em especial, aos servidores públicos ligados à operacionalização do chamado “Centro de Governo”, composto por um conjunto de instituições estratégicas do Poder Executivo, responsáveis pela coordenação das decisões do Palácio do Planalto junto aos demais órgãos da União.

No Brasil, as principais instituições pertencentes ao Centro de Governo são o Ministério da Fazenda, representado pela Secretaria do Tesouro Nacional, o Ministério do Planejamento, representado pela Secretaria de Orçamento Federal, a Controladoria-Geral da União, e o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, além da Casa Civil. Uma das instâncias de atuação do Centro de Governo, responsável por traçar as diretrizes de gestão orçamentária e financeira é a Junta de Execução Orçamentária – JEO.

Em comum, esses órgãos possuem em seus quadros servidores de estado que prestam seus serviços independentemente da linha ideológica dos governos em exercício, assegurando o caráter técnico da gestão pública. Eles desempenham atividades que demandam conhecimentos muito especializados e cuja maturação técnica só é atingida após vários anos de atuação na mesma área. Trata-se de um grupo de profissionais que seguramente está dentre os mais bem qualificados do Setor Público onde o percentual de pessoas com pós-graduação, mestrado e doutorado é muito superior à média.

Pode-se dizer que esses profissionais são os verdadeiros responsáveis pela operacionalização, pelo monitoramento e pelo controle, na prática, das diversas regras fiscais, além de assegurar que as contas públicas sejam geridas com elevado grau de profissionalismo e precisão. 

Quantitativamente são responsáveis pela gestão de mais de dez trilhões de reais, se considerarmos o valor agregado das despesas da União, as receitas financeiras arrecadadas pelo Tesouro Nacional, o valor do estoque e o fluxo da Dívida Pública Federal, e a gestão dos ativos da União. 

Também fazem parte do restritíssimo grupo de profissionais da Esplanada que busca racionalizar e, se possível, reduzir os gastos públicos ineficientes, em oposição aos demais atores para os quais o incentivo é sempre pela expansão fiscal. Por causa disso, estão expostos a pressões diárias por liberação de recursos públicos de todo o restante da Esplanada dos Ministérios, do Congresso Nacional, do Poder Judiciário e às vezes de entidades do setor privado. 

Pelos valores sob sua gestão, sofrem inúmeros questionamentos dos órgãos de controle, do Ministério Público e do próprio Poder Judiciário com relação às decisões tomadas, o que, além de consumir muito tempo, prejudica o foco nas atividades fins e traz elevados riscos jurídicos para aqueles situados em posições estratégicas.

Ao contrário das empresas privadas que conseguem repor seus quadros rapidamente em mercado, o mesmo não ocorre com essas instituições. O prazo entre os concursos públicos varia entre cinco e dez anos. Além disso, os conhecimentos e habilidades necessárias para o desempenho das atividades não são necessariamente medidos pelas provas dos concursos públicos. Para piorar, o setor privado busca cada vez mais os quadros técnicos de excelência dessas instituições, degradando os processos internos de trabalho pela insuficiência numérica e inadequação técnica dos recursos humanos. 

Infelizmente, em muitos casos, o que determina a remuneração dos profissionais no setor público não é a importância da atividade ou o risco potencial para as contas públicas, mas o poder de pressão das corporações. Isso vem gerando um desalinhamento remuneratório e de condições de trabalho entre algumas carreiras, também estratégicas, e as carreiras ligadas ao Centro de Governo, fazendo com que grande parte dos maiores talentos migrem para carreiras com melhores incentivos dentro do próprio Setor Público.

Só que no caso dos profissionais ligados ao Centro de Governo as consequências desse desalinhamento são graves e, particularmente, bem maiores do que outras carreiras do Setor Público. Como esses profissionais são responsáveis pela gestão de trilhões de reais, a degradação dos processos de trabalho causados pela rotatividade de profissionais e pela redução do número de servidores traz riscos fiscais relevantes para a União, cujos custos são muitas ordens de grandeza superiores ao potencial custo de realinhamento de incentivos entre as carreiras. Uma única auditoria bem-feita por profissionais de excelênciada CGU pode poupar bilhões de reais para os cofres públicos o que custearia o realinhamento dos incentivos por anos ou décadas. Economias na gestão da dívida pública decorrente de inovações trazidas por profissionais de excelência podem poupar dezenas de bilhões de reais para o erário. Por outro lado, a fragilização técnica dessas instituições em razão da degradação dos processos de trabalho pode fragilizar os controles técnicos levando a uma degradação invisível das contas públicas, podendo inviabilizar o cumprimento das regras fiscais, com impactos negativos para toda a sociedade. 

A esse respeito, enquanto o próprio Presidente do Banco Central do Brasil briga para tornar aquela autarquia uma empresa pública sui generis com maior independência para fixar a remuneração de seus funcionários, e onde, no passado, alguns secretários da Receita Federal atuaram junto ao Congresso Nacional para que o bônus salarial dos auditores fiscais fosse regulamentado, as carreiras responsáveis por operacionalizar as decisões do Centro de Governo não contam com o mesmo nível de priorização e apoio institucional por parte do Governo e de seus dirigentes.

Alguém poderia argumentar que mesmo havendo esse desalinhamento salarial, essas carreiras já possuem remuneração superior à média do setor privado e que, supostamente, esses profissionais deveriam “dar o exemplo” para os demais, já que eles mesmos atuam para a redução das despesas públicas.

Essa é uma visão ingênua e superficial do problema. Inicialmente, é bastante duvidoso que qualquer esforço de redução salarial no setor público, seja para as instituições mais fracas ou mesmo para as mais fortes, venha a prosperar, em razão do direito adquirido e da falta de apoio político para a sua aprovação.

Professor William Baghdassarian analisa os desafios da política fiscal no Brasil/foto: Divulgação Ibmec

A esse respeito, é interessante observar a falta de coerência de alguns críticos que apoiam publicamente a tese do “exemplo”, mas que são servidores públicos das carreiras mais bem-remuneradas do Serviço Público Federal, Estadual, ou de suas empresas estatais e que, até onde é do conhecimento deste autor, nunca se posicionaram de forma crítica ao desalinhamento da remuneração – a maior – de suas próprias carreiras com relação às demais. 

De forma clara, os riscos fiscais decorrentes da degradação dos processos de trabalho nas instituições pertencentes ao Centro de Governo são elevados e injustificáveis. Nesse sentido, a ampliação do hiato remuneratório entre os servidores responsáveis pelo Centro de Governo e as demais carreiras do Setor Público é uma política pública míope, imprudente, ineficiente e que, de certa forma, reflete uma baixa priorização da gestão política fiscal o que, para muitos, pode chancelar os questionamentos recorrentes do mercado e da imprensa sobre o nível de comprometimento do Governo com a manutenção da sustentabilidade das contas públicas. 

Nesse sentido, a quem interessa fragilizar os profissionais que têm no cerne de seu trabalho a defesa do equilíbrio e sustentabilidade das contas públicas? Será que o país terá que enfrentar uma nova retração econômica como ocorreu entre 2015 e 2016 para que a gestão da Política Fiscal volte a ser conduzida com a prioridade que ela necessita? Aparentemente, o Governo considera a Política Fiscal o patinho feio da Política Econômica no Brasil.

(*) Professor de finanças do Ibmec Brasília

By emprezaz

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