Podemos considerar a América do Sul uma terra de oportunidades verdes?

*Cristiano Oliveira

Apesar de todos os avanços tecnológicos, o mundo está constantemente enfrentando novos desafios. O objetivo do desenvolvimento sustentável impõe novas demandas que precisam ser atendidas. A busca por fontes mais limpas de energia e maneiras de produzir alimentos de forma sustentável coloca o foco em dois setores: mineração e agricultura. Um mundo mais verde e ecologicamente responsável precisará de insumos e produtos que provavelmente virão de uma região lembrada mais por suas instabilidades políticas e econômicas do que por seu potencial de crescimento econômico: a América do Sul.

Em 2015, o Acordo de Paris estabeleceu metas de longo prazo para reduzir os potenciais impactos e riscos das mudanças climáticas. Para limitar o aquecimento global a 1,5°C com uma probabilidade de 50%, as emissões globais cumulativas de CO2 comprometem os países a atingir emissões líquidas zero de CO2 até meados do século XXI. Isso levou muitos países a olhar de maneira diferente para produtos e insumos que lhes permitiriam alcançar essas metas.

Um desses produtos são os carros elétricos. A legislação recente da União Europeia exige que todos os novos veículos vendidos tenham emissões zero de CO2 até 2035 e 55% a menos de emissões de CO2 até 2030 em comparação com 2021. As metas têm como objetivo impulsionar a rápida descarbonização das frotas de carros novos no bloco de 27 países.
 

No entanto, essa adoção massiva de veículos elétricos requer a extração de minerais que os países europeus não possuem. As tecnologias de baixo carbono são muito mais dependentes de minerais do que suas contrapartes mais poluentes. Um veículo elétrico contém de três a quatro vezes mais cobre do que um carro movido a gasolina e usa baterias que requerem um mineral raro encontrado abundantemente na América do Sul: o lítio. A região detém cerca de 60% das reservas conhecidas de lítio no mundo.
 

A importância da região para a produção de lítio vai além de sua abundância. A extração do mineral na América do Sul é mais simples do que em qualquer outro lugar. É mais barato obter lítio por evaporação do que retirá-lo de rochas, como na Austrália e na China. Como é amplamente conhecido, a mineração e o processamento de minerais consomem muita energia. No entanto, muitos países sul-americanos podem aproveitar a eletricidade barata gerada a partir de fontes renováveis.

Para atender às metas do Acordo de Paris para combater as mudanças climáticas, a participação de tecnologias de energia limpa na demanda total precisará aumentar em mais de 40% para a extração de cobre e quase 90% para o lítio nas próximas duas décadas, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA). A Wood Mackenzie, uma empresa especializada em mineração, estima que até 2040 serão necessários pelo menos 575 bilhões de dólares em investimentos para atender à demanda global por cobre. Até 2030, serão necessários quase 40 bilhões de dólares para o lítio. No ano passado, mais dinheiro foi gasto na América Latina do que em qualquer outro lugar explorando os minerais que sustentam a chamada “Economia Verde”.
 

Em outra frente, a agricultura está altamente exposta aos impactos do aumento das temperaturas globais. Aumento nas flutuações na sazonalidade perturbam os ciclos agrícolas, enquanto desafios substanciais surgem de padrões de chuva em mudança e eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas, tempestades e inundações. A agricultura sustentável busca garantir que os agricultores possam se adaptar à incerteza climática, reduzir as emissões e mitigar as mudanças climáticas para produzir os alimentos necessários para combater a fome no mundo. Um relatório de 2020 da FAO concluiu que a segurança alimentar global representa o desafio de produzir cerca de 70% mais alimentos até 2050 para alimentar cerca de 9 bilhões de pessoas.

Embora toda a região tenha potencial, por exemplo, na produção de frutas no Chile e na Argentina e em produtos pecuários e lácteos no Uruguai, na América do Sul, o destaque na produção de alimentos é o Brasil. É um país com vastas reservas de terras e água. O país tem muitas terras não cultivadas com potencial para futura produção agrícola. As Projeções Agrícolas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) para 2031 indicam que mais 20 milhões de hectares de terras agrícolas serão colocados em produção até 2031 no país, com uma taxa de expansão anual de 2,6%. Isso seria uma das taxas mais rápidas de expansão de terras agrícolas no mundo.
 

De acordo com as projeções do USDA, para atender à demanda projetada de consumidores e importadores de milho e soja, como a China, o Brasil precisará produzir 76% mais grãos e 41% mais oleaginosas na próxima década. A produção de carne e aves deve aumentar em 9 toneladas (cerca de 15%) até 2031. Os grãos forrageiros necessários para atender a esse crescimento da demanda devem aumentar para mais de 105 milhões de toneladas, 17% a mais do que o consumido em 2021.

As exportações de soja do Brasil estão previstas para aumentar em 42,6 milhões de toneladas (45,6%) para 136,1 milhões nos próximos dez anos, fortalecendo sua posição como o principal exportador mundial. A produção de soja continua mais lucrativa do que outras culturas na maioria das áreas do Brasil. Com o aumento das plantações na região do Cerrado e a expansão da produção para a região da Amazônia Legal, espera-se que a taxa de crescimento da área plantada com soja seja superior a 2% ao ano na próxima década.
 

No entanto, o país sofre com deficiências nos setores de logística e armazenamento. A demanda por investimentos é significativa. Apenas no setor de armazenamento, há um déficit de investimento acumulado anualmente da ordem de pelo menos 1 bilhão de dólares. Esse crescimento poderia certamente acelerar se o Brasil inovasse em práticas agrícolas e tecnologias para desenvolver instalações de armazenamento e infraestrutura de transporte.
 

Diante dessa demanda por investimentos, é necessário reconhecer que os padrões de financiamento da economia sul-americana estão desatualizados. Pequenas e médias empresas e produtores têm praticamente nenhum acesso a financiamento de longo prazo e crédito, que dependem inteiramente de bancos estatais. Uma alternativa para atender a essa demanda por investimentos que pode superar os desafios de sustentabilidade tem sido classificar produtos como “verdes”.

Especialista discorre sobre a extensa cadeia até se chegar aos chamados “produtos verdes” e suas consequências/foto: Divulgação

Produtos rotulados como “verdes” tornaram-se reconhecidos globalmente como um meio eficaz de direcionar o capital de investimento para projetos de mitigação, resiliência e adaptação às mudanças climáticas. Assim, o crescente interesse dos investidores por projetos desse tipo resultou no desenvolvimento e crescimento de produtos financeiros inovadores, incluindo produtos verdes, sociais, ESG, sustentabilidade e índices verdes.

Portanto, a América do Sul tem grande potencial para esse mercado de crédito “verde” devido à sua capacidade de atender às demandas de produtos e insumos necessários para atingir as metas de desenvolvimento ambientalmente sustentável estabelecidas pelos países desenvolvidos. Esses setores lucrativos podem oferecer taxas de juros atrativas aos investidores dispostos a aproveitar esse potencial impulsionado pela Economia Verde, na qual a América do Sul apresenta muitas oportunidades.
 

* Professor Associado da Universidade Federal do Rio Grande — UFRG e head reserch da Rivoll Finance – plataforma em Web3 que conecta investidores globais ao mercado de crédito privado na América Latina da Rivool.

By emprezaz

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