Redação Planeta Amazônia
Mesmo ameaçados por pressões socioambientais e pela possibilidade de pavimentação da BR-319, povos indígenas que vivem na área de influência da rodovia detêm soluções sustentáveis para mitigar os impactos do empreendimento. A avaliação é do antropólogo e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Miguel Aparicio, em entrevista publicada na seção “Ciência” do informativo do Observatório BR-319 (OBR-319).
Segundo o pesquisador, a BR-319 não é apenas um eixo estratégico para atividades econômicas e logísticas entre Manaus, no Amazonas, e Porto Velho, em Rondônia, mas também território de povos indígenas milenares. Ele explica que a região abriga ao menos quatro grandes redes indígenas: povos do entorno da Região Metropolitana de Manaus; povos Mura e de língua Kagwahiva, no baixo e alto rio Madeira; povos Apurinã e da família linguística Arawá, no rio Purus; além de povos localizados em áreas de Rondônia.
Aparicio destaca que essas populações moldam a configuração da Amazônia há cerca de 13 mil anos. Estudos apontam que as Terras Indígenas são hoje alguns dos territórios mais conservados do bioma e desempenham papel central no enfrentamento às mudanças climáticas.
Apesar disso, o pesquisador alerta que, mesmo sem a pavimentação completa da rodovia, as comunidades já sofrem impactos provocados pela expansão da pecuária, exploração ilegal de madeira, grilagem de terras, mineração e outros conflitos socioambientais. Um dos efeitos mais preocupantes é o chamado padrão “espinha de peixe”, caracterizado pela abertura de ramais e estradas ilegais. Estudo recente do OBR-319 identificou 45.495 feições lineares, somando 18.897 quilômetros de extensão.
Para Aparicio, o principal risco da BR-319 não é a estrada em si, mas a consolidação desordenada do território ao seu redor. Ele afirma que esse processo pode resultar no enfraquecimento de Unidades de Conservação, Terras Indígenas, Reservas de Desenvolvimento Sustentável e outros territórios protegidos, abrindo espaço para danos irreversíveis à Amazônia.
Diante das ameaças, algumas etnias optaram por restringir o contato com a sociedade envolvente, formando os chamados povos indígenas isolados. De acordo com o pesquisador, há registros expressivos dessas populações nas bacias dos rios Purus e Madeira, que vivem sob forte pressão territorial, mas com consciência dos processos associados à BR-319 e à sua área de influência.
O antropólogo ressalta que os povos indígenas não devem ser vistos apenas como vítimas. Segundo ele, essas populações produzem soluções sustentáveis há décadas e já formularam respostas para os impactos associados à rodovia. O desafio, aponta, é ampliar essas experiências para outras realidades da região.
Informativo nº 72
O informativo nº 72 do Observatório BR-319 reúne novas informações sobre questões socioambientais relacionadas à rodovia. A matéria de destaque aborda a derrubada de 56 dispositivos da Lei de Licenciamento Ambiental, conhecida como Lei da Devastação, aprovada pelo Congresso Nacional poucos dias após a COP30. A medida flexibiliza exigências ambientais e abre caminho para a retomada de obras de infraestrutura, incluindo a repavimentação da BR-319.
A publicação também apresenta a seção “Interior em Foco”, que detalha o projeto Pedagogia da Floresta, desenvolvido em uma escola da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Igapó-Açu. A iniciativa busca fortalecer a relação entre escola, comunidade e natureza, valorizando saberes tradicionais e a conservação ambiental.
O informativo traz ainda infográficos com dados atualizados sobre desmatamento e focos de calor nos municípios da BR-319, em Unidades de Conservação e Terras Indígenas da região, com base em informações do INPE.

