Quando a COP30 parece Copa, quem perde é o clima

Por Luciana Sonck (*)

Chegamos à reta final de dois anos e meio desde que Belém foi anunciada como sede da COP30. Após meses de debates sobre grandes obras, atrasos, infraestrutura, hotelaria — em que equiparamos a Conferência do Clima aos impactos de receber uma Copa do Mundo — sentamos na mesa das discussões em uma verdadeira corrida contra o tempo e contra o termômetro.
 

O Relatório Síntese das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), divulgado pelo secretariado da ONU para Mudanças Climáticas no fim de outubro, mostra que as metas atuais continuam incompatíveis com o limite de 1,5 °C estabelecido no Acordo de Paris. O planeta segue em rota de aquecimento entre 2,4 °C e 2,6 °C até o fim do século. Para limitar o aumento a 2 °C, seriam necessárias reduções de emissões de pelo menos 27% até 2035, enquanto as metas atuais apontam para uma queda média de apenas 17%.
 

Nos deparamos com uma conferência que precisa ser finalizada em novembro com ações resolutivas e ambiciosas para diminuir as emissões. Para isso, precisariamos do nosso melhor jogo de multilateralismo na Cúpula dos Líderes e nas futuras declarações e acordos, mas o cenário é outro. Globalmente, enfrentamos um cenário político de visões extremistas, populistas e polarizações, que impactam diretamente a maneira como o multilateralismo e a diplomacia são tratados. Deixa-se de focar em questões centrais para o debate, como a crise climática, e foca-se em questões que podem gerar disputas de poder, mídia e enfraquecimento dos países emergentes.
 

Além disso, após um 2024 intenso relacionado à manchetes de preços extorsivos de hospedagem, um dos principais impactos não será só na presença aumentada de delegações emergentes, mas na logística e viabilidade de garantir infraestrutura necessária para a participação efetiva da sociedade civil. No entanto, não fosse esse cenário macropolítico, o problema estaria sendo discutido dentro do próprio multilateralismo, em viés de cooperação. Ou seja, todos sabem que sem essas vozes, a legitimidade de declarações ou cartas que possam sair da conferência fica comprometida. Então, países que buscam enfraquecer o Acordo de Paris encontram uma desculpa perfeita para críticas e boicotes, enquanto nações do Sul Global correm o risco de não ter suas demandas ouvidas.
 

É uma crise generalizada de micropoderes que impede a cooperação de existir para solucionar um problema prático, que está contido no contexto local do país que recebe a COP este ano. Em outras palavras, esperar que o Brasil sozinho resolva as questões locais para receber os atores globais em um território que já é desafiador para as próprias agendas internas é colocar muito peso e pressão em uma única narrativa de solução.

Trata-se da primeira COP realizada na Amazônia, um marco com potencial de incluir os povos indígenas e garantir que suas vozes sejam ouvidas nas decisões sobre políticas climáticas. Isso é relevante não apenas para o Brasil, mas para o mundo inteiro — e também para a própria história das COPs. Não se pode esperar que, diante dos enormes desafios já existentes no território amazônico — como a implementação de políticas públicas, saúde, assistência social, educação, geração de emprego, regularização fundiária e tantas outras pautas urgentes —, a conferência seja capaz de resolver tudo e transformar a Amazônia em uma vitrine “para inglês ver”. Da mesma forma, não se deve tratar a COP como se fosse uma Copa do Mundo, projetando milhões em obras que, no fim, não atendem às populações locais nem se integram à dinâmica municipal de oferta de serviços públicos.
 

O presidente da COP, embaixador André Corrêa do Lago, ressaltou em sua primeira carta que esta seria a COP da implementação, destacando a importância de ações concretas para mitigação, adaptação, tecnologia e capacitação, alinhadas aos pilares da Convenção do Clima de 1992. Além disso, a conferência poderia avançar na ratificação do Acordo de Escazú, tratado regional da América Latina e do Caribe que assegura acesso à informação ambiental, participação pública nas decisões e proteção a defensores ambientais.
 

Apesar da confirmação de mais de 160 países por parte da Presidência da COP, há receio de que a baixa ajuda de custo e problemas arrastados relacionados a hospedagem possam causar a ausência de países do Sul Global, nações em desenvolvimento e pequenos Estados insulares — que sofrem impactos desproporcionais da crise climática e enfrentam limitações econômicas para enviar delegações. Não podemos ter o risco de que qualquer Declaração ou Carta de Belém seja aprovada com quórum reduzido ou sem pluralidade de vozes. A quem isso interessa?
 

Essa fragilidade do multilateralismo é especialmente evidente no financiamento climático, ponto central para a implementação do Acordo de Paris. A meta de US$ 1,3 trilhão anuais, definida na COP29 em Baku, é vital para que países em desenvolvimento possam investir em mitigação e adaptação. Sem cooperação plena e participação efetiva, esse valor dificilmente será atingido.
 

A COP no Brasil será também um teste de resiliência institucional, mostrando se é possível consolidar políticas climáticas robustas, não por meio de negociações episódicas com um Congresso dividido, um país em julgamento de um ex-presidente por tentativa de golpe de Estado e um governo enfrentando taxações comerciais que afetam inúmeras cadeias produtivas e de exportação. Para além da resiliência, o governo também precisa passar por um teste de coerência: como conseguirá se posicionar como liderança climática global após semanas antes do início da conferência, autorizar pesquisas para a exploração de petróleo na Foz do Amazonas?
 

Este é um momento de entendermos se o governo brasileiro vai conseguir levantar a agenda e silenciar as vozes que tentam colocar a COP em discussões que podem ser um verdadeiro 7×1 para a agenda do clima.
 

O legado de Belém não será sobre infraestrutura, porque a Conferência das Partes não é apenas um evento, mas sim o início de um processo contínuo de negociação e implementação. Será nessa COP que a fragilidade dos próprios acordos internacionais para solucionarem esse problema será evidenciada nas delegações ausentes, declarações com quórum questionável e oportunidades perdidas de financiamento, cooperação e justiça climática. Cada possível falha alertará que se trata de um problema político maior, em que ainda são os interesses das partes que estão definindo o fim da conferência.
 

O que ficará registrado é a fotografia de uma governança global em crise, mostrando que transparência, coordenação e inclusão são pré-condições indispensáveis para enfrentar os desafios do século XXI.

(*) mestra em planejamento territorial, especialista em governança e CEO da Tewá 225

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