Por Luís Eduardo Pacifici Rangel (*)
Nos debates sobre o futuro da agricultura brasileira, dois temas vêm ganhando destaque: a construção da Taxonomia Sustentável Nacional e as discussões em torno da aplicação aérea de defensivos agrícolas, especialmente por meio de drones.
Embora distintos, esses temas se entrelaçam no coração da sustentabilidade agrícola: como garantir produtividade, segurança alimentar e proteção ambiental baseando-se em evidências científicas e não em preconceitos ou simplificações?
O dilema regulatório: ciência ou proibição?
A proposta brasileira de uma taxonomia sustentável — instrumento essencial para orientar financiamentos verdes — inclui critérios para determinar quais atividades econômicas são elegíveis ao selo da sustentabilidade. Um dos pontos mais controversos é a exclusão automática de agrotóxicos listados em convenções internacionais como a de Estocolmo e Roterdã. Porém, a redação atual da proposta permite exceções para usos previstos na legislação brasileira, desde que tecnicamente justificados.
Essa cláusula de exceção é fundamental. As próprias convenções internacionais preveem usos restritos, controlados e autorizados mediante critérios técnicos, como no caso da sulfluramida, autorizada no Brasil para o controle de formigas cortadeiras em florestas comerciais e projetos de restauração. Ignorar essas exceções criaria insegurança jurídica, desconsideraria a realidade fitossanitária do país e comprometeria práticas reconhecidamente sustentáveis.
Aplicação aérea: menos impacto do que se imagina
Em paralelo, a aplicação aérea — seja por avião ou drone — tem sido injustamente demonizada como mais perigosa ao meio ambiente. No entanto, a ciência demonstra o contrário.
Estudos recentes utilizando sensores térmicos, túneis de vento e adjuvantes naturais, como alginato de sódio, mostram que os riscos de deriva (dispersão indesejada do produto) podem ser reduzidos a níveis desprezíveis. Equipamentos modernos com bicos antideriva e sistemas de controle digital garantem precisão, menor volume aplicado e menor exposição do operador.
Em termos comparativos, a aplicação aérea supera métodos terrestres (como costal ou tratorizada) em:
- Uniformidade da pulverização;
- Redução de impacto físico no solo;
- Menor pegada de carbono por hectare tratado;
- Menor exposição humana direta ao defensivo.
Modelos internacionais como os adotados pela Alemanha (BBA) oferecem classificações de redução de deriva (50%, 75%, 90%) com base em evidências empíricas e testes rigorosos — uma metodologia que poderia inspirar a regulação brasileira.
Sem mitos: sustentabilidade com base em evidência
A sustentabilidade não se constrói com proibições simplistas, mas com escolhas técnicas, ciência aplicada e reconhecimento da complexidade dos sistemas agroecológicos. Eliminar completamente o uso de defensivos listados em convenções internacionais — mesmo quando autorizados por exceção — é negligenciar a ciência e o próprio texto dos tratados. Do mesmo modo, restringir a pulverização aérea por preconceito e não por evidência compromete a modernização responsável da agricultura.
É preciso avançar para uma agricultura tecnicamente robusta, ambientalmente responsável e juridicamente segura, onde o uso de defensivos siga o manejo integrado, o controle de deriva e a rastreabilidade — independentemente do meio de aplicação.
O que está em jogo
- A credibilidade científica da Taxonomia Nacional Sustentável;
- A viabilidade de cadeias produtivas sustentáveis, como reflorestamento e ILPF;
- A capacidade do Brasil de liderar com responsabilidade a produção de alimentos com base na ciência tropical.
Em um momento em que o mundo exige mais responsabilidade ambiental da agricultura, o Brasil tem a chance de mostrar que é possível produzir com eficiência e respeito ao meio ambiente, desde que as decisões sejam pautadas pela ciência.
A construção da taxonomia sustentável brasileira precisa refletir a complexidade do campo, valorizando inovações tecnológicas como a aplicação aérea moderna e reconhecendo as exceções técnicas previstas em acordos internacionais. Negar isso é retroceder. O futuro da sustentabilidade no agro não está na proibição indiscriminada, mas na capacidade de integrar rigor técnico, inovação e realidade produtiva em políticas coerentes e eficazes. É hora de virar o jogo do discurso e trazer a ciência de volta ao centro das decisões.
(*) membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) e Engenheiro Agrônomo