81% do desmatamento no Cerrado em 2023 foi concentrado em cinco bacias hidrográficas

Redação Planeta Amazônia

Em 2023, 81% do desmatamento no Cerrado se concentrou nas regiões abastecidas pelas bacias hidrográficas do Alto Tocantins, São Francisco Médio, Alto Parnaíba, Itapecuru e Araguaia, potencialmente elevando o risco hídrico de 373 municípios na região. Dados foram publicados nesta sexta-feira pelo SAD Cerrado (Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado), desenvolvido pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
 

O Cerrado é considerado o 2° maior bioma da América do Sul e abriga oito das doze principais regiões hidrográficas do Brasil/foto: Fernando Alves

Conhecido como a caixa d’água do Brasil por abrigar oito das doze principais regiões hidrográficas brasileiras, o Cerrado tem reduzido sua capacidade de absorção e retenção de água por conta da perda de vegetação nativa. As altas taxas de desmatamento nessas áreas podem causar diversos impactos negativos nos recursos hídricos, como o rebaixamento dos lençóis freáticos e o aumento do risco de escassez de água..


“O desmatamento afeta diretamente os recursos hídricos, e estudos recentes mostram uma diminuição da vazão dos rios no Cerrado nos últimos anos devido às altas taxas de desmatamento no bioma. Essa redução pode impactar o abastecimento hídrico de cidades, a produção de energia elétrica e a agropecuária. o”, alerta Fernanda Ribeiro, coordenadora do SAD Cerrado e pesquisadora do IPAM.

Essas bacias estão localizadas no norte do Cerrado e na região do Matopiba, onde se concentram as grandes áreas de desmatamento e as nascentes dos principais rios brasileiro, como por exemplo o Rio Araguaia e o Rio Tocantins. A região também concentra a maior parte dos remanescentes de vegetação nativa do bioma.

Bacias mais afetadas

Na bacia do Tocantins Alto, segunda maior do bacia do Cerrado e a mais desmatada em 2023 no bioma, foram perdidos 274 mil hectares de vegetação nativa – 26% de tudo que foi perdido em 2023. A bacia abriga as nascentes do Rio Tocantins, segundo maior território brasileiro e serve como uma rota comercial fundamental para o escoamento e irrigação da produção agrícola na região central do País.
 

Já a bacia do Médio São Francisco, sexta maior do país e a segunda mais desmatada em 2023 no Cerrado, perdeu 200 mil hectares de vegetação nativa – 14,4% de todo o desmatamento do ano passado no bioma. Essa bacia abriga as principais afluentes do Rio São Francisco que se estende por 2.863 km, abastece mais de 15 milhões de habitantes e possui quatro usinas de geração de energia que, juntas, possuem produção estimada em 9.9 milhões de quilowatts, mas que se encontra ameaçada pelas secas cada vez mais frequentes.

A bacia do Alto Parnaíba teve 189 mil hectares de sua vegetação desmatada – cerca de 13% do desmatamento do bioma em 2023. A bacia abriga as nascentes do Rio Parnaíba, localizado na região central do Matopiba. Essa região é dominada por grandes propriedades, com um crescente uso de água para a irrigação de sua produção. Em 2023, um Parque Nacional foi criado para proteger suas nascentes, mas esse esforço de conservação parece ser ainda insuficiente para a conservação dos recursos hídricos da região.

foto/Divulgação

“A proteção das bacias hidrográficas do Cerrado depende de um melhor entendimento e caracterização da destinação da água do bioma, aliado à uma estratégia integrada entre os setores público e privado. Além disso, é necessário implementar e reforçar políticas públicas que promovam a conservação dos remanescentes de vegetação nativa e a restauração de áreas degradadas em locais estratégicos nas bacias hidrográficas”, destaca Fernanda.

Cenário em 2024

Em fevereiro de 2024, o SAD Cerrado detectou 38 mil hectares de desmatamento no Cerrado, uma redução de 52% em relação a fevereiro de 2023, quando o desmatamento somou 79 mil hectares. Os Estados mais afetados foram o Tocantins, com 10 mil hectares desmatados, Bahia, com 8 mil hectares desmatados e Piauí, que perdeu 5 mil hectares de vegetação nativa. O município de Cocos localizado no oeste da Bahia foi o responsável pela maior área desmatada, totalizando 3 mil hectares desmatados.

Em relação às bacias hidrográficas, o cenário se repete no primeiro bimestre de 2024. Nos dois primeiros meses do ano, o Cerrado já acumulou 89 mil hectares desmatados. Desse total, 83% estão concentrados em cinco das vinte e quatro bacias hidrográficas do Cerrado (São Francisco Médio com 24 mil hectares; Tocantins Alto com 22 mil hectares; Parnaíba Alto com 15 mil hectares; Parnaíba Baixo com 6 mil hectares e Araguaia com 5 mil hectares desmatados).

foto: Divulgação

Sobre o SAD Cerrado

O Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado é um projeto de monitoramento mensal e automático que utiliza imagens de satélites ópticos do sensor Sentinel-2, da Agência Espacial Europeia. O SAD Cerrado é uma ferramenta analítica que fornece alertas de supressão de vegetação nativa para todo o bioma, trazendo informações sobre desmatamento no bioma desde agosto de 2020.

Cerrado pede socorro na Europa

Em viagem por Holanda, França e Bélgica, uma delegação de técnicos, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais apresentou a situação alarmante causada pelo desmatamento no Cerrado, berço das águas do Brasil.

A viagem de incidência política passou pela Holanda, França e Bélgica, de 9 a 22 de março, quando os “embaixadores do Cerrado” trabalharam para sensibilizar governantes, empresas e sociedade civil europeias pelo aprimoramento da normativa europeia (EUDR) que regula a importação de commodities como a soja e carne livres de desmatamento.

Evento em Bruxelas, Bélgica./foto: Kamikia Kisedje_Apib

Dados da Trase mostram que o Brasil é responsável por 42% da soja e 20% da carne consumidas no mundo. Para isso acontecer, 44% do território do bioma Cerrado, que cobre cerca de 25% do território nacional, está tomado pela agropecuária (Mapbiomas, 2021). A Europa é o segundo maior mercado externo da soja brasileira, que é a principal indutora do desmatamento.

Perda de água

Estudo de doutorado do geógrafo Yuri Salmona, diretor do Instituto Cerrados, mostrou que a produção de commodities agrícolas, que gera desmatamento em larga escala, impacta mais significativamente as vazões dos rios cerratenses do que as mudanças climáticas. A previsão do estudo é que, no padrão atual de conversão de vegetação e com os efeitos das mudanças do clima, teremos uma perda de 34% de água nos rios do Cerrado até 2050. Esse volume todo corresponde à vazão de oito rios Nilo, no Egito

A tese de Yuri Salmona, que recebeu apoio do ISPN para a pesquisa e foi publicada na revista científica Sustainability em 2023 (leia aqui, em inglês), teve como base o estudo de 81 bacias hidrográficas do Cerrado. Nelas, Salmona analisou dados de 1985 a 2018. O resultado foi que 87% dos rios do bioma tiveram redução de 15% na vazão de água nesse período.

Delegação brasileira após reunião com o senador francês Yannick Janot, ex-CEO do Greenpeace, em Paris/foto: Kamikia Kisedje_ Apib

Essa perda de água afetará diretamente a agricultura, a produção de energia elétrica e o abastecimento hídrico na região do Cerrado e nas regiões que dependem da água vinda deste bioma, especialmente nas estações secas.

“A legislação europeia que visa reduzir o desmatamento envolvido nas cadeias de suprimento de produtos consumidos na Europa (EUDR) não surtirá o efeito esperado se não incluir justamente a área onde mais se desmata para produzir a soja que é consumida na Europa. O desmatamento no Cerrado está muito acelerado e o efeito no ciclo da água já está sendo sentido pelas comunidades e também pelo agronegócio. Neste ano, as perdas da safra de soja já passaram dos 15%”, afirmou a coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do ISPN, Isabel Figueiredo.

A atual legislação europeia praticamente só considera aptos de fiscalização produtos provenientes da Amazônia e da Mata Atlântica, deixando outros biomas vulneráveis à destruição. Um estudo recente da ong Mighty Earth mostrou que 64% da soja que a França consome vem do Brasil, sendo 10% do oeste da Bahia, região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) das mais afetadas pela mudança do clima e a que mais desmatou Cerrado entre setembro e dezembro de 2023.

By emprezaz

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