Por Tiago Egydio Barreto (*)
Em 1859, Charles Darwin publicou “A Origem das Espécies”. Neste livro, foi apresentada a teoria da evolução por seleção natural, e este foi um dos marcos disruptivos na compreensão da história da humanidade. Darwin proporcionou um entendimento profundo da diversidade e adaptação das espécies ao longo do tempo, demonstrando que todas têm um ancestral comum. Assim, percebemos que ao longo dos 4,5 bilhões de anos de existência do planeta Terra, a vida foi moldada em resposta às variações do clima e outros agentes externos – um caminho para a sobrevivência.
Isso nos revela que todos os fatores bióticos e abióticos do planeta estão interligados nos diferentes ciclos biogeoquímicos, isso significa que os seres vivos e os componentes não vivos do ambiente estão constantemente interagindo uns com os outros. Neste momento, em que vivenciamos o fenômeno das mudanças climáticas de origem antrópica, aquelas realizadas pelo homem (é sempre importante enfatizar isso, pois ao longo da história do planeta houve diversas alterações significativas no clima), já é possível observar várias manifestações como consequência. E não é surpreendente, pois, como mencionei anteriormente, a vida se adapta às mudanças físicas do planeta.
No segundo semestre de 2023, testemunhamos os registros de temperatura mais elevados dos últimos 174 anos, de acordo com a Agência Americana Oceânica e Atmosférica (NOAA). Neste período, presenciamos secas, inundações e temperaturas até então consideradas incomuns para muitas localidades do Brasil e do mundo.
E o que você fez nestes dias de calor intenso, temporais ou fortes secas? Possivelmente, adotou algum comportamento distinto do habitual, não é mesmo?
Mas o que será que acontece com o comportamento de outros organismos vivos, como algumas espécies de árvores, por exemplo, em momentos de fortes secas ou temperaturas extremas? Ainda há muito a descobrir, mas já se sabe que elas podem mudar seu comportamento reprodutivo, reduzindo a produção de flores, frutos e sementes.
Isso nos leva a um ponto de grande importância: Para a regeneração das florestas e a produção de mudas de árvores nativas, é fundamental ter sementes!
Essa instabilidade climática não é o único desafio; há também a dificuldade na produção (beneficiamento) e em disponibilizar as sementes nativas como um produto para o mercado. Enfrentamos dificuldades estruturais na implementação de políticas ambientais, especialmente quando se trata de conciliar a vasta diversidade de biomas no Brasil com estratégias eficazes de produção e distribuição de sementes para cada ecossistema.
Considerando a meta de restaurar 12 milhões de hectares até 2030, estabelecida pela Política Nacional de Restauração da Vegetação Nativa (Proveg), é notável o desafio em abordar a diversidade dos biomas do país ao tentar elaborar planos de restauração efetivos.
Um estudo publicado em 2020 na revista Forests, realizado por pesquisadores brasileiros, trouxe à tona a questão da baixa diversidade de fontes de materiais vegetais e a escassez de fornecedores de sementes nativas. O Mapa de Sementes do Brasil, uma iniciativa do Comitê Técnico de Sementes Florestais, revelou números preocupantes, indicando uma grande margem para melhorias.
No entanto, não podemos subestimar o conhecimento valioso das comunidades locais e dos povos originários. Suas práticas tradicionais e compreensão íntima dos biomas oferecem oportunidades valiosas para desenvolver técnicas avançadas de coleta e beneficiamento de sementes.
Iniciativas colaborativas, como a Rede de Sementes do Xingu, são exemplos concretos de como coletores, agricultores e indígenas se unem para colher, processar e distribuir sementes nativas do Cerrado e da Amazônia. Essas práticas inovadoras não apenas impulsionam projetos de restauração em todo o país, mas também apoiam no sustento dessas comunidades.
A educação ambiental é uma ferramenta poderosa nesse contexto. Ao capacitar essas comunidades com treinamentos sobre coleta sustentável e práticas de manejo de viveiros, não apenas protegemos a biodiversidade, mas também fortalecemos suas próprias fontes de subsistência.
Apesar dos desafios, percebe-se que estão ocorrendo soluções inovadoras, desde pesquisas em sementes mais adaptadas às mudanças climáticas até parcerias internacionais como o GenTree da União Europeia, que reúne pesquisadores e instituições de vários países para melhorar a conservação e uso de recursos genéticos de árvores. Trabalhar em conjunto e explorar novas abordagens é essencial para enfrentar a escassez de disponibilidade de sementes e garantir um futuro mais resiliente para nossos ecossistemas.
(*) Gerente da Fundação Eco+ e Biólogo com mestrado e doutorado em Biologia Vegetal