Profa Dra Eliane de Oliveira e Eng Agrônomo Paulo Henrique da Costa Silva – Universidade Federal do Acre Campus Floresta, Mestrado em Ciências Ambientais, Cruzeiro do Sul – Acre
A produção de alimentos em quantidade e qualidade sempre foi um desafio para as populações humanas que, no início, adquiriam seus alimentos através da caça, pesca e da coleta, principalmente, de frutos e tubérculos de diferentes espécies de plantas. Para obter alimentos e suprimento constantemente, os grupos humanos eram obrigados a adotar uma vida itinerante, pois quando o extrativismo tornava escassos os recursos de determinada região, era necessário mudar para outras regiões, onde os alimentos se encontravam mais abundantes.
O desenvolvimento da civilização como conhecemos hoje, só foi possível quando as populações humanas puderam permanecer em um mesmo local, com acesso à alimentação de qualidade durante todo o ano. O que permitiu a habitação humana em lugares fixos e constantes foi à domesticação de plantas e animais, utilizados como alimentos. Foi essa evolução que permitiu às populações permanecerem em um mesmo lugar em assentamentos, aldeias e cidades.
A domesticação é uma mudança histórica/evolutiva, conduzida pelo homem a cerca de 10.000 anos atras, com a adaptação de plantas e animais às suas necessidades. Plantas domesticadas são geneticamente diferentes das plantas selvagens que a originaram, de tal forma que, uma espécie totalmente domesticada pode tornar-se dependente do homem para sua sobrevivência e reprodução. Foi à domesticação das espécies vegetais que possibilitou o surgimento da agricultura.
Existiram ao longo do tempo e/ou simultaneamente, diferentes centros independentes de domesticação de espécies, como na região que vai do Egito a Mesopotâmia, onde foi domesticado o trigo, o linho e a cevada ou na região atual da China onde foi domesticado o arroz há cerca de 10.000 anos. Nas Américas, as populações indígenas já haviam se estendido até o Cone Sul do continente a cerca de 14.000 anos e, a cerca de 11.000 anos, todos os biomas brasileiros já estavam ocupados por grupos com distintas tecnologias de aquisição e processamento de plantas e animais.
Na região amazônica, a rica biodiversidade possibilitou a existência de diferentes Centros de Domesticação de Plantas. Na época da chegada dos europeus nas Américas já se encontrava, aproximadamente, 138 espécies de plantas amazônicas sob algum grau de domesticação, segundo pesquisas realizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).
A bacia amazônica é aceita como um centro mundial independente de domesticação de plantas. No Sudoeste da Amazônia, em áreas próximas aos rios Madeira e Guaporé existem evidências sobre o processo primário e secundário de domesticação da mandioca (Manihot esculenta), do amendoim (Arachis hypogea), da pupunheira (Bactris gasipaes), da castanheira (Bertholletia excelsa), da goiabeira (Psidium guajava) e de uma espécie de arroz regional (Oryza glumaepatula), entre outras espécies.
Entretanto, as evidências também sugerem que as estratégias de cultivo desenvolvidas e adotadas pelos indígenas na Amazônia, diferiram das estratégias adotadas em outras partes do mundo, como por exemplo na agricultura de cultivo de cereais, desenvolvida em clima temperado. O cultivo amazônico de alimentos e plantas úteis focava mais o cultivo de tubérculos e espécies arbóreas, e adotava o uso heterogêneo da terra em sistemas de produção dispersos, incluindo diversificação de plantas e animais em contraste com a agricultura intensiva que utiliza apenas uma única espécie plantada em grandes áreas, tipicamente desenvolvida para o cultivo de cereais.
A floresta amazônica apresenta, aproximadamente, 16.000 espécies arbóreas, das quais 227 espécies são consideradas hiperdominantes, ou seja, mais comuns de serem encontradas na maioria das regiões amazônicas como é o caso do cacau (Theobroma cacao). Das dez espécies de árvores mais hiperdominantes, seis têm forte importância econômica, por exemplo, como o açaí (Euterpe precatória) – a espécie de árvore mais comum em toda a ampla região amazônica. Estas plantas podem apresentar produção extrativista, mas, embora pareçam naturais, encontram-se em biomas previamente perturbados pela ação humana, ou seja, sua distribuição na região, provavelmente resultou do manejo humano, realizado pelos povos indígenas habitantes da floresta.
A alteração da composição florestal iniciou com pequenas populações, a cerca de 10.000 – 9.000 anos, por meio de diversas atividades de plantio e colheita eventuais em torno de acampamentos e aldeias ou ao longo de trilhas e em pousios. No começo estas mudanças nas paisagens eram pequenas e pouco significativas, mas, com o passar do tempo, com o crescimento destas populações, tais mudanças se tornaram intensas e importantes. Esses plantios favoreceram plantas úteis e proporcionaram a domesticação da paisagem, ou seja, mudaram a frequência de ocorrência destas plantas e animais úteis na floresta, tornando-a mais agradável para o convívio humano.
Entre 8.000 e 4.000 anos, através de um processo coevolutivo, envolvendo indígenas e paisagens, do uso controlado do fogo, e do estímulo, favorecimento e estímulo de espécies úteis, foram formados sistemas agroflorestais que envolviam plantas de ciclo curto e de ciclo longo.
Os primeiros sistemas agrícolas desenvolvidos, ocorreram na Amazônia há cerca de 6.000 anos, quando o cultivo casual em quintais e florestas foi transformado para sustentar populações maiores. As tecnologias agrícolas se converteram em vantagens competitivas de ocupação e sobrevivência nos territórios amazônicos. Na Amazônia isto incluiu o plantio intenso de árvores, ou os sistemas agroflorestais, bem como de culturas básicas como raízes e sementes.
Os primeiros relatos sobre a região amazônica, aproximadamente em 1.500, descrevem abundância de populações bem alimentadas, cercadas por pomares (ou sistemas agroflorestais primitivos) nas terras altas e campos sazonais nas várzeas. Hoje com tantas dúvidas sobre qual o melhor modelo de desenvolvimento para a Amazônia em um ambiente de mudanças climáticas onde a manutenção da floresta seria extremamente importante, não deveríamos nos esquecer do legado das populações tradicionais cujo convívio com a maior floresta tropical do mundo a manteve em pé e produtiva, em parte devido ao desenvolvimento de tecnologias de plantio que privilegiaram sistemas agroflorestais.