Redação Planeta Amazônia
O Brasil acaba de ganhar sua primeira ferramenta de análise de conformidade da mineração de ouro: o Portal da Transparência do Ouro. Ele reúne dados oficiais disponíveis para consulta pública que se encontram dispersos em diferentes órgãos, e faz a sobreposição dos dados a imagens de satélite, gerando o mais detalhado raio X da extração legal do ouro no país. O objetivo é que a ferramenta possa servir de instrumento complementar ao trabalho de inteligência, investigação e planejamento de ações de controle da cadeia produtiva do ouro.
Os primeiros resultados da ferramenta, no entanto, mostram um cenário preocupante: por exemplo, dos 41.465 pedidos de títulos para mineração do ouro, apenas 1.943 estavam validados pela Agência Nacional de Mineração (ANM); destes, apenas 185 estão em conformidade com os critérios legais da atividade, ou 9,5% do total.
“Quando cruzamos os diversos dados sobre a cadeia legal do ouro, dos pedidos de lavra ao recolhimento de impostos, surgem uma série de inconsistências que precisam ser analisadas pelo poder público para reduzir as irregularidades e as potenciais ilegalidades ligadas a essas licenças e estancar a evasão de impostos”, explica Marcelo Oliveira especialista em Conservação do WWF-Brasil, que criou a ferramenta. “Este primeiro portal de transparência do setor permite identificar os gargalos e as brechas que favorecem a ilegalidade, favorecendo o aperfeiçoamento das políticas públicas de combate a lavras ilegais e irregulares”, ressalta.
Como a ferramenta foi criada para verificar se as lavras de ouro estão associadas a práticas ilícitas ou irregularidades, conforme a legislação vigente, ela analisa todos os estágios da atividade: a validade da Permissão de Lavra Garimpeira; se a área requisitada permite mineração; se há licenciamento ambiental protocolado; o pagamento tributário obrigatório (CFEM); a existência de embargos ambientais; e o protocolo do Relatório Anual de Lavra (RAL).
Em uma primeira utilização da plataforma, foi possível detectar inconsistências em todas essas etapas. Dos 1.943 títulos validados pela ANM, por exemplo, 1.202 são Permissões de Lavra Garimpeira – ou seja, para atividades classificadas como de pequeno porte, operadas por garimpeiros e não por indústrias da mineração. No entanto, foram identificados 1.789 relatórios de lavra (RAL) e apenas 371 pagamentos da CFEM-Contribuição Financeira para Exploração Minerária – o imposto que incide sobre a atividade.
“Até que ponto esses relatórios de lavra estão sendo usados para emular uma situação ilegal do garimpo? O baixo percentual de recolhimento de impostos, por sua vez, sugere que o garimpo não é uma atividade lucrativa. Isso corresponde à realidade? Estas inconsistências, que a ferramenta traz à tona, apontam para a necessidade de fortalecimento dos órgãos de fiscalização e controle que, com o portal, passam a contar com cruzamentos de dados que permitem identificar os casos que exigem investigações mais robustas, facilitando a priorização das demandas”, completa.
A equipe do WWF-Brasil usou a ferramenta para fazer uma análise mais detalhada da situação no Pará, onde se encontram 30% dos 1.943 títulos minerários atualmente válidos. Embora o estado registre 592 títulos válidos, 836 lavras apresentaram RAL, porém apenas 59 pagam CFEM. Após o cruzamento de todos os dados disponíveis na ferramenta, o resultado mostrou que apenas 21 Permissões de Lavra Garimpeira encontram-se formalmente regulares.
A fragilidade da cadeia legal do ouro no Brasil mostra a necessidade de fortalecimento da ANM, com recursos humanos e financeiros, para fazer frente a complexidade da situação: “É preciso tanto identificar processos minerários passíveis de regularização rápida, ou seja, casos de pequenos atrasos da apresentação de documentos ou desconhecimento por parte dos mineradores, como aprofundar a investigação dos casos onde há indícios de fraudes e evasão fiscal ”, avalia Marcelo.