Igor Oliveira (*) e Aurizangela da Cruz Machado Nawa (**)
A crise climática antropogênica representa incontestavelmente o maior desafio em nível global de nosso tempo, e suas raízes envolvem questões sociais e comportamentais humanas. O modelo de ocupação antrópica da Amazônia por pessoas de fora, acabam muitas vezes invisibilizando os saberes locais, destrói o ambiente natural e expropria populações locais de seus territórios que nos trouxe até o ponto onde estamos e como estamos. A lógica do pensamento ocidental se alicerça sobre a razão, normalmente ignorando outras formas de conhecimento ou concepção de mundo e, dentro desta visão, desenvolve tecnologias cada vez mais sofisticadas para subjugar a natureza. A transformação da natureza, seus produtos e recursos em mercadoria pela lógica do sistema estabelecido pelo capital (como se não houvesse nenhuma alternativa), além de causar o distanciamento dos seres humanos desta mesma natureza que explora e que conduzir a passos largos nossa espécie a experimentar um cenário de catástrofes sem precedentes. Altas temperaturas, secas, chuvas intensas, eventos climáticos extremos e declínio da biodiversidade (só para citar alguns) é o que nos espera muito em breve segundos diversos cientistas.
De fato, os grupos sociais humanos mais vulneráveis aos impactos desse cenário são os mais pobres e os que dependem diretamente dos recursos da natureza para subsistir, uma vez que terão dificuldade desproporcional de adaptação por sua própria condição à margem do sistema determinado pelo capital. Assim, povos indígenas e comunidades tradicionais irão sofrer direta e profundamente as consequências causadas por um modo de vida muito distante do seu. Ironicamente (ou não), esses mesmos grupos humanos detêm e aplicam conhecimentos ancestrais para extrair o que precisam da natureza, como por exemplos os povos indígenas, conseguem manter os sistemas socioecológicos resilientes, de modo a gerar baixo impacto ambiental. Isso os coloca em uma posição de mantenedores da biodiversidade remanescente e, consequentemente, de mitigadores das mudanças climáticas.
Comportamentos podem sofrer modificações por meio de interações culturais e novos conhecimentos, mas a desconexão histórica entre culturas, saberes ancestrais e ciência hegemônica, dificultam o encontro de novas alternativas de enfrentamento da questão climática embasadas em melhores relações socioecológicas. Além disso, ceder espaço de fala e compreender a visão acerca do problema por quem mais será afetado por ele, além de ser no mínimo ético, amplia possibilidades para um futuro melhor para a humanidade. Sendo assim, uma aproximação entre os conhecimentos tradicionais e a ciência ocidental pode revelar caminhos alternativos para mitigar localmente as consequências do novo clima que se aproxima. Mais importante ainda, essa aproximação pode revelar ações de adaptação ou mitigação que façam sentido para essas comunidades. Deste modo, investigar percepções, saberes, interpretações e principalmente relações complexas entre pessoas e natureza dentro de um contexto cultural tradicional, além de desejável, é essencial nos tempos atuais.
O mesmo pensamento científico ocidental que por muito tempo ignorou saberes de povos ancestrais nos proporciona hoje um vislumbre da magnitude de como esses mesmos povos foram capazes de moldar a floresta amazônica. Muito além de impressionante, isso nos mostra a importância dos saberes tradicionais e seu imenso potencial, talvez até para mudar os rumos do atual paradigma climático. Grupos humanos que aprenderam empiricamente a explorar e cultivar recursos alimentares, medicinais e ambientais durante milhares de anos podem agregar muito ao conhecimento e ao pensar científico ocidental. Reconhecer o valor dos saberes tradicionais e suas visões e relações com o ambiente favorece um diálogo plural entre diferentes sociedades, o que amplia as possibilidades de novos caminhos para as questões ambientais, cada vez mais urgentes na atualidade.
(*) Biólogo, Doutor em Ecologia, Professor do Mestrado em Ciências Ambientais da Universidade Federal do Acre
(**) Indígena do povo Nawa, Mestranda em Ciências Ambientais pela Universidade Federal do Acre