Relatório do IPCC aponta situação de emergência humanitária relacionada às mudanças climáticas

Redação Planeta Amazônia

Mais do que uma emergência climática: o alerta enfático foi dado nessa segunda-feira,20, pelo relatório síntese do IPCC ( sigla em inglês que significa Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, da ONU), após uma semana de intensa negociação entre governos e cientistas. A questão agora alcance o “status” de emergência humanitária.

Duas cientistas brasileiras – a vice-presidente do IPCC, Thelma Krug, e a revisora Mercedes Bustamante – participaram do grupo que redigiu o relatório síntese, que tem 93 autores. O documento foi finalizado na tarde de domingo em Interlaken, na Suíça, frustrando a expectativa de que ficasse pronto na última sexta-feira.

O teor das 37 páginas não chega a ser inédito, já que se trata de um apanhado dos últimos seis relatórios publicados pelo IPCC, mas funciona como a mensagem final dos cientistas nesta década crítica, visto que o próximo ciclo de análise só deve começar a ter resultados por volta de 2028.

Para quem achava que a mudança climática era uma fantasia, o texto mostra que a realidade bateu à porta: em 2019, a concentração atmosférica de CO2 (410 partes por milhão) foi a maior em pelo menos 2 milhões de anos, e as de metano (1.866 partes por bilhão) e óxido nitroso (332 partes por bilhão), as maiores em 800 mil anos. Setenta e nove por cento das emissões globais de gases de efeito estufa vieram dos setores de energia, indústria e transporte e 22% da agricultura, silvicultura e de outras formas de uso da terra.

O IPCC vem estudando desde 2018 o aumento da temperatura mundial até 1,5 ºC. Quase todos os cenários apontam que esse limite será ultrapassado entre 2030 e 2035, ainda que temporariamente (no momento já são 1,1ºC acima da era pré-industrial). Os cientistas projetaram diversos cenários para o futuro, e apenas naqueles em que há ações mais ambiciosas de redução de gases de efeito estufa (GEE), o mundo consegue voltar à temperatura abaixo desse limiar antes do fim do século.

Quanto maior a magnitude e maior a duração do overshoot (quando a temperatura da Terra ultrapassa um determinado limite por algum tempo e depois retorna), mais exposto estará o planeta, aumentando os riscos para sistemas naturais e humanos. Apesar de temporário, o dano causado será permanente e irreversível em alguns ecossistemas de resiliência baixa, como os polos, as montanhas e as costas impactadas por degelo ou por aumento do nível do mar – e claro, lembrando que o aumento de 1,5ºC em si já é um péssimo cenário.

Alerta para o Brasil

Segundo Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, 1,5ºC é uma meta de sobrevivência necessária para garantir um futuro climático mais seguro para todos nós. “A mensagem que fica, por parte dos cientistas, é de que precisamos garantir que não haja overshoot ou que ele seja o menor possível, pelo menor tempo possível. Cada fração de um grau de aquecimento importa. Não estamos preparados para a devastação climática que significa ultrapassar 1,5ºC. Vai nos custar mais vidas, tanto humanas quanto de inúmeras outras espécies.”

Hoje, de 3,3 a 3,6 bilhões de pessoas – quase metade da população da Terra, sobretudo do hemisfério sul – já vivem em condição de vulnerabilidade devido às mudanças do clima. Essas pessoas têm 15 vezes mais chances de serem mortas num desastre climático.

Para evitar ou atenuar o overshoot, o documento toma como parâmetro as emissões de GEE projetadas de 2019 e traça metas bem específicas para os próximos anos. A primeira delas: reduzir a emissão em 43 [34-60]% até 2030.  Em seguida, uma redução de 60 [ 49-77%] até 2035; 69 [58-90%] até 2040 e, finalmente, 84 [73-98%] até 2050.

Isso significa agir desde já. Significa também que a indústria fóssil poderá ter “ativos encalhados”, ou seja, investimentos que não chegarão ao mercado, o que já foi mencionado no relatório anterior do IPCC, publicado em 2022.

O texto apontava que para haver uma estabilização do aumento da temperatura global em 1,5ºC, o uso de carvão mineral precisa cair 95%, o de petróleo 60% e o de gás natural 45% até 2050. Isso é um alerta para o Brasil, que ampliou investimentos no pré-sal e sancionou uma lei permitindo a construção de novas termelétricas a carvão até 2040.

Mudanças urgentes nas matrizes energéticas

É preciso promover uma mudança radical no setor de energia. Para atingir as emissões líquidas zero de CO2 e GEE, será necessária a transição de combustíveis fósseis sem captura e armazenamento de carbono (CCS) para fontes de energia de muito baixo ou zero carbono, como as renováveis. Fontes solar e eólica são de longe as opções de menor custo com o maior potencial para reduzir as emissões até 2030. O preço da energia renovável tem caído. Entre 2010 e 2019, houve uma queda de 85% no preço da energia solar e 55% na energia eólica. Também houve uma queda de 85% no preço das baterias de lítio, usadas em carros elétricos.

“Estamos caminhando quando deveríamos estar correndo”

Durante uma coletiva de imprensa sobre o relatório síntese,  António Guterres, secretário-geral da ONU, propôs uma “agenda de aceleração” para o Pacto de Solidariedade Climática que apresentou ao países do G20. O pacto prevê que os grandes emissores façam esforços extras para cortar emissões de gases-estufa, e que os países mais ricos disponibilizem recursos financeiros e técnicos para países em desenvolvimento. “A humanidade está vivendo sobre uma fina camada de gelo — e esse gelo está derretendo rapidamente”, disse Guterres, enfatizando a urgência da ação climática.

By emprezaz

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Postagens relacionadas